São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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A economia longe do gol

LUÍS NASSIF

Era batata. Coloque-se em campo um time sem o compromisso de buscar o gol, e o máximo que sairá será um empate -quando o time precisa vencer de goleada para recuperar posição.
A proposta de utilizar os recursos dos fundos de pensão para financiar o déficit público é prova de que o gol não faz parte da análise dos teóricos do governo.
O gol é a busca do desenvolvimento. Para chegar lá, definiu-se um meio: o controle da inflação. A partir daí, todos os esforços foram empreendidos para alcançar o objetivo-meio -o combate à inflação- com tal obsessão que se esqueceu o objetivo-fim -a preparação do ambiente desenvolvimentista.
Há medidas que ajudam a combater a inflação, comprometendo menos o desenvolvimento. Há medidas que permitem preparar o campo para o desenvolvimento, sem comprometer a luta contra a inflação.
A falta de visão de gol, de um conhecimento minimamente sofisticado sobre projetos industriais e competitividade entre nações, fez com que se definisse a receita mais simples de administrar -juros, câmbio, câmbio, juros-, embora a mais daninha para o país.
Escassez e abundância
Hoje em dia a matéria-prima internacional de maior abundância é o capital. Essa política monetária absurda conseguiu transformar o capital em matéria escassa para o conjunto das empresas brasileiras, e abundante para os intermediários desse jogo irresponsável de acumulação de reservas para aplicação em títulos públicos.
Não há projeto de desenvolvimento que não implique em trabalhar as condições para que o capital flua para a atividade produtiva. Nos últimos anos ocorreram transformações profundas em parte substancial das empresas brasileiras. A abertura da economia tornou-as mais competitivas e abertas a novas técnicas gerenciais. A disponibilidade de capital, de maneira não-centralizada, permitiria às mais capazes desenvolverem-se de maneira autônoma.
A modernização atingiu especialmente aquelas empresas que jamais dispuseram de influência política que garantia acesso ilimitado a recursos públicos.
Não há mistério nos passos a serem dados. Passa pela formação de um mercado de capitais moderno, adaptações na Lei das Sociedades Anônimas, moralização e disseminação dos fundos de pensão, regulamentação dos fundos de investimento estrangeiro para aplicação na atividade produtiva.
São mudanças estruturais, que em nada impactariam a luta antiinflacionária. Como se perdeu o ponto central de vista, no entanto, o desenvolvimento vai para segundo plano.
Primeiro, cria-se um passivo monumental na economia. As empresas são submetidas a taxas de juros absurdas. Quebram-se União, Estados e municípios. Agora, encontra-se a saída para o passivo público: convencer os fundos de pensão a adquirir títulos da dívida pública.
Interminável
Às vezes penso que essa travessia rumo ao desenvolvimento é interminável. Os interesses imediatos sempre se interpõem entre o presente e o futuro. E os homens que comandam os principais poderes são isso aí que foi revelado pelo episódio da pasta cor-de-rosa: pessoas menores, mais preocupadas em satisfazer seu próprio ego em bate-bocas ridículos, do que em trabalhar objetivamente na construção de um novo país.
Definitiva moda
Há discos que, mais do que registro de momentos de criação, constituem-se em repositórios definitivos da arte de um povo. É o caso do recém-lançado CD Alaíde Costa-João Carlos Assis Brasil, um clássico.
Não bastasse a voz estupenda da maior de nossas intérpretes românticas, e do piano sensível de Assis Brasil, juntou-se o repertório definitivo da terceira das grandes escolas musicais brasileiras: a modinha.
Se os departamentos culturais das embaixadas fossem menos burocratizados, as peças de Jobim, Villa-Lobos e Nazareth, do diplomata Jaime Ovalle e do pedreiro João Pernambuco, dos bossa-novistas Carlos Lyra e Oscar Castro Neves, dos poetas Vinícius, Bandeira e Catullo, na voz de Alaíde e no piano de Assis Brasil, estariam sendo utilizados como bandeira de uma vasta campanha diplomática destinada a comprovar a criatividade e a sofisticação da cultura popular brasileira.

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