São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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Pasteurização

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - A Junta Comercial do Estado de São Paulo informa que fecharam este ano 10.647 estabelecimentos comerciais, a maioria deles do chamado "comércio de rua" -ou seja, aqueles não instalados em shopping centers.
É a tal da globalização chegando, com toda a sua dureza, à 25 de Março, ao Bom Retiro e a outros centros de um comércio outrora importante. O problema não é tanto a globalização. Até porque, se fosse, lamentá-la seria o mesmo que reclamar que os jornais substituíram a máquina de escrever pelo computador.
Bom ou ruim, é inexorável (e eu prefiro mil vezes o computador).
O problema é a globalização à americana. Shopping centers são, acima de tudo, um fenômeno norte-americano. Nas grandes capitais européias, o comércio é ainda, predominantemente, de lojas de rua ou, no máximo, de grandes lojas de departamento, essas do tipo Mappin (a Printemps na França, o Corte Inglés na Espanha, a Harrod's ou a Selfridges em Londres).
Nada contra os shoppings. São, de fato, mais confortáveis para se comprar, desde que, é lógico, se tenha dinheiro. Estacionamento em geral mais fácil, todo o tipo de comércio sob o mesmo teto e amplas áreas de lazer/comida.
A questão é a pasteurização que ele provoca. Tudo nos shoppings parece de plástico, como comida de avião. Quem viu um shopping center, seja em Buenos Aires, Miami, Belo Horizonte ou Campinas, já viu todos. No máximo mudam pequenos detalhes arquitetônicos e, claro, o tamanho. Não mais do que isso.
O que se perde são as relações pessoais. Perde-se, por exemplo, o inefável prazer de gozar o lojista corintiano, quando o Corinthians perde (o que, infelizmente, acontece menos do que eu gostaria, mas acontece o suficiente). Afinal, é quase impossível saber se o lojista de shopping é ou não corintiano, ao contrário do que ocorre com os vizinhos.
Por isso talvez não seja de todo ruim que as compras passem a ser feitas via Internet ou, como já se está fazendo, mais e mais, pela TV. Pasteurização por pasteurização, que venha completa. E que se invente um computador que torça pelo Corinthians. Ou que torça por alguma coisa, pelo menos.

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