São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 1995
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Câmbio e fundamentais

ANTONIO DELFIM NETTO

Um leitor, que frequentemente nos honra com pertinentes e argutas observações, reclamou de um comentário publicado neste mesmo local. Segundo ele, o pequeno artigo contém uma frase enigmática -"A taxa de câmbio real é, no fundo, o produto dos 'fundamentais': o equilíbrio interno (pleno uso da capacidade instalada) e o equilíbrio externo (equilíbrio desejado em conta corrente)".
Vale a pena, pergunta ele, "tentar entender o que se esconde atrás dessa frase?". E continua, "há alguma coisa na economia que seja tão complexa e cujo conhecimento exija tão sofisticado treinamento e linguagem técnica, a ponto de torná-la incompreensível ao cidadão comum, paciente da ação dos economistas?".
Constrangidos, vamos tentar explicar aquela frase. Não sem antes lembrar o grande físico Gell-Mann (prêmio Nobel de 1969), que disse que a "mecânica quântica é uma disciplina misteriosa e confusa, que nenhum de nós realmente entende, mas que todos sabemos usar". Pois bem, a teoria econômica é aparentemente o oposto: trata-se de uma disciplina clara e facilmente inteligível, mas que não sabemos usar!
Dizemos que uma economia se encontra em "equilíbrio interno" quando ela está operando a um nível próximo ao do pleno emprego, consistente com uma taxa de inflação baixa e sustentável. Suponhamos, então, que estamos com equilíbrio interno e a taxa real de câmbio se desvaloriza. O que acontecerá? O balanço em conta corrente tenderá a apresentar um superávit por que uma parte da demanda interna vai deslocar-se de bens importados para bens domésticos. Para que não haja aumento de seus preços (isto é, para que a economia continue com o equilíbrio "interno") é preciso produzir (pela política fiscal) uma contração da demanda interna. A conclusão que importa reter é a seguinte: para manter-se no equilíbrio "interno", a resposta da economia a uma desvalorização do câmbio real é a diminuição da demanda interna. Quando estamos no equilíbrio "interno", câmbio real e demanda real caminham na direção inversa.
Dizemos que uma economia se encontra em equilíbrio "externo" quando, para toda combinação de câmbio real e demanda real, o saldo em conta corrente é aceito como desejável e sustentável. Suponhamos que a economia esteja com equilíbrio "externo" e que haja uma desvalorização do câmbio real. O que ocorrerá? De novo haverá um superávit em conta corrente. Para corrigi-lo (e a economia continuar com o equilíbrio "externo") é preciso aumentar a demanda real interna. O importante a reter é o seguinte: para manter-se em equilíbrio "externo", a uma desvalorização do câmbio real a economia tem de responder com um aumento da demanda real. No "equilíbrio externo" câmbio real e demanda real caminham na mesma direção.
Agora é simples entender o problema. Para manter o equilíbrio "interno", quando cresce o câmbio real, é preciso que a demanda real diminua. Já no caso do equilíbrio "externo", quando cresce o câmbio real, é preciso que a demanda cresça. Logo deve existir uma taxa de câmbio real que realize, simultaneamente, os dois equilíbrios. Essa é a taxa de câmbio real produzida pelos "fundamentais".

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