São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 1995
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Super-Homem: a decepção

MOACYR SCLIAR

Se a notícia do casamento do Super-Homem e de Lois Lane causou sensação -afinal, tratava-se de um noivado de 50 anos, prolongado mesmo para um super-herói-, muito maior sensação foi a notícia de que, 20 dias após o casamento, a jornalista tinha pedido divórcio. Assediada pela imprensa, ela não se fez de rogada, mesmo porque as sensacionais revelações que tinha a fazer serviriam de promoção para o livro-bomba que estava preparando, "Lua-de-mel enferrujada: meu triste casamento com o Super-Homem" (direitos já adquiridos por um milhão de dólares).
Uma coletiva foi convocada, e a primeira pergunta, formulada por uma jovem e ansiosa jornalista, resumia a curiosidade geral:
- Lois, por que você se separou do Super-Homem? E por que tão rápido?
Um pálido e fugaz sorriso iluminou a face devastada de Lois Lane (apesar dos óculos escuros, via-se que tinha chorado, e muito).
- Eu sei perfeitamente que resposta vocês esperam de mim. "Nada mais terrível do que relações sexuais com um homem de aço", não é isso? Pois estão enganados. Eu amava o Super-Homem, mesmo ele sendo de aço, e aço frio. O que me frustrou.
Interrompeu-se: a emoção era forte demais, via-se. Só depois de alguns momentos, tensos momentos, é que pode prosseguir.
- O que me frustrou foi a decadência dele. Homem de aço? Sim. Mas já enferrujando nas axilas, nas pregas do cotovelo. Aliás, tudo nele era uma ruína. Lembram-se da famosa visão de Raios-X? Perdeu-a por completo. Nem o buraco da fechadura ele enxergava, eu é que tinha de abrir a porta. Voando, era uma tragédia. Era o meu sonho, como vocês sabem: ser transportada pelos céus de Metrópolis nos braços do meu marido, para que todos vissem. Mas, como criatura alada, ele era uma decepção. A custo conseguia decolar do chão, voava baixo, aos solavancos. E dava desculpas esfarrapadas: "Desculpe, Lois, estamos atravessando uma zona de turbulência". Esse desempenho medíocre, foi, aliás, uma metáfora do nosso casamento. Que nunca levantou vôo, não sei se vocês me entendem.
Olhou o relógio, encerrou bruscamente a entrevista: tinha uma visita programada para o Jurassic Park. Àquela altura da vida, seria capaz de casar até com um dinossauro. Arcaico, sim, mas pelo menos funcionante.

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