São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 1995
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A França e o Brasil

ROBERTO FREIRE

A opinião pública e a esquerda brasileira estão acompanhando com grande entusiasmo os desdobramentos do forte movimento paredista na França, onde trabalhadores foram às ruas para protestar contra as alterações na política previdenciária e de assistência social propostas pelo governo conservador do primeiro-ministro Alain Juppé.
Além da motivação natural que toda iniciativa de trabalhadores gera no seio da esquerda em todo o mundo, um fato adicional incendeia particularmente as nossas atenções: a questão da reforma da Previdência também está colocada na ordem do dia no Brasil.
Mesmo que não possamos formular nem viver criativamente sem as experiências de outros povos, creio que a euforia sobre a explosão social na França, um país que mais uma vez dá demonstrações de encarar a política como fenômeno de massa e não como resultado de acerto de elites, deve servir a uma análise mais profunda sobre o que ocorre na Europa e também acerca do seu rebatimento e significado entre nós.
O exemplo dos trabalhadores franceses com suas mobilizações contra a reforma previdenciária de Juppé, entretanto, não obrigatoriamente se aplica à realidade brasileira.
Na França os trabalhadores estão nas ruas protestando contra a intenção de um governo que pretende enfrentar sua crise fiscal, o desemprego estrutural e os novos paradigmas da revolução científica e tecnológica -aliás, realidade comum aos países europeus- com o desmantelamento do Estado do bem-estar social, construído ao longo da história e efetivamente consolidado nas últimas décadas.
Protestam, portanto, contra uma política neoliberal de Estado mínimo que fracassou em países vizinhos, como a Inglaterra. Não se mobilizam contra o processo inevitável da globalização no qual a unidade européia é o produto mais acabado. Contestam o seu rumo. Lutam para preservar a seguridade social duramente conquistada e o seu Estado do bem-estar social, este uma notável construção da esquerda européia, especialmente dos sociais-democratas.
No Brasil, a realidade e a história, infelizmente, são bastante diversas. Nós nunca tivemos nem mesmo um arremedo de Estado do bem-estar social. A exclusão desde sempre esteve presente no cotidiano da nossa sociedade e a tentativa de mudar essa perversa realidade é o que move a esquerda brasileira desde os tempos em que se designava os excluídos de explorados e oprimidos. E essa luta continua.
O Estado brasileiro, que em alguns momentos da chamada Era Vargas vivenciou conquistas históricas inegáveis, quase sempre produziu e viabilizou a desigualdade. Fruto, já nos seus primórdios, de pactos de elites, construiu-se corporativamente, foi privatizado e distanciou-se dos interesses da maioria da população. Os exemplos estão por toda parte e em todas instituições. Na educação e na saúde -acessíveis, se de qualidade, apenas às minorias. Mas é talvez na Previdência Social -um fundo público- onde ela mais explicita injustiças ao gerar distorções e amparar pequenos e também grandes privilégios.
Os trabalhadores brasileiros devem ir às ruas para exigir reformas e a garantia de seus poucos e parcos direitos -que existem. Mas nunca para referendar um modelo arcaico, ultrapassado e que condena à indigência a quase totalidade de seus aposentados enquanto enche de regalias minorias, quando estas se retiram do trabalho ativo. Sistema que permite, entre outros absurdos, aposentadorias especiais e precoces de todo tipo -parlamentares, juízes, servidores, professores universitários, jornalistas etc.
Precisam ter a dimensão de um projeto previdenciário democrático para o Brasil. Confundir, como se suas fossem, as teses daqueles que sustentaram e deram contornos ao Estado brasileiro no mínimo é um grave equívoco. O movimento em torno da Previdência, aqui pelos trópicos, deve ter evidentemente motivações distintas daquelas que mobilizam os trabalhadores na França. Lá eles têm o que perder e aqui, muito o que ganhar.
Quando os segmentos populares forem às ruas para defender suas propostas -e esperamos que isso ocorra com brevidade-, que o façam com um projeto de Previdência democrático, para o conjunto da sociedade. E nesse ponto o PPS dá a sua contribuição. Queremos uma Previdência pública com gestão colegiada e da qual participariam o Estado, trabalhadores -ativos e inativos- e empresários.
O sistema previdenciário básico, com teto de dez mínimos, que abrangeria indistintamente os trabalhadores de modo geral, os servidores civis e militares, parlamentares, Ministério Público e juízes. Seria admitida a Previdência complementar pública ou privada para atender as especificidades de categorias.
Pela proposta seria adotado um mecanismo de transição com a vigência dos dois sistemas -o atual, para quem já esteja contribuindo por mais de cinco anos, e o novo, para os que não tenham atingido aquele teto e ingressassem pela primeira vez no mercado de trabalho.
Incentivos seriam criados para quem quisesse migrar do velho sistema para o novo. Todas as aposentadorias especiais, exceto para professores do ensino básico e para atividades insalubres/perigosas, seriam extintas.

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