São Paulo, sexta-feira, 29 de dezembro de 1995
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A indústria e o Real

ROBERTO NICOLAU JEHA

Já estamos quase chegando a um ano e meio do Real, e alguns bons resultados podem ser comemorados. A inflação do primeiro ano (julho de 94 a junho de 95) foi algo em torno de 25% -ainda alta, mas muitíssimo mais baixa que os níveis anteriores.
Para o próximo ano do plano, tudo indica que o índice ficará abaixo dos 20% anuais, o que é muito bom. Na medida em que o real seja apenas um plano de estabilização econômica, pode-se dizer que está indo muito bem. A própria queda brutal da inflação já determinou, por si só, um fenômeno impressionante de redistribuição de renda, ao permitir o acesso de milhões de brasileiros a bens de consumo de baixo valor unitário, antes inacessíveis.
É importante frisar que essa vitória sobre a inflação deveu-se, antes de tudo, a uma combinação de dois fatores: câmbio baixo e juros altos. A âncora fiscal, que daria mais credibilidade ao plano, está longe de ser alcançada e os números das contas públicas publicados recentemente não nos permitem ter ilusões para o próximo ano.
Se quisermos manter a vitória sobre a inflação, teremos ainda que nos basear por um tempo maior do que gostaríamos nas políticas cambiais e monetárias restritivas.
Como a indústria brasileira deve reagir a esse quadro e como ela foi afetada pelo primeiro ano do Plano Real? Acredito que ela foi beneficiada pelo plano como um todo, pois com inflação alta ela não tinha futuro. Porém alguns setores não tiveram o mesmo bom desempenho, já que foram afetados por um outro fator tão importante quanto o Real e simultâneo a ele: a abertura da economia, feita de uma maneira apressada e bisonha.
Além do mais, se no primeiro semestre do real a indústria cresceu algo em torno de 17%, nos oito primeiros meses de 1995, em virtude das políticas recessivas praticadas a partir de abril de 1995, ela perdeu praticamente tudo o que tinha ganho, apesar de o primeiro trimestre de 1995 ter sido muito bom. Mais um ano de estagnação, como fazem prever as atuais políticas macroeconômicas, trará resultados terríveis para a indústria e para o país. É preciso, pois, buscar outro caminho.
Em resumo, podemos dizer que a indústria brasileira trabalha com duas premissas e um objetivo. As premissas são vencer a inflação e inserir-se competitivamente no mundo. Não se quer a volta da inflação sob pretexto algum e se entende que a abertura da economia é irreversível. O objetivo é simples e claro: voltar a crescer.
A compatibilização desse objetivo com as duas premissas é o grande desafio que vamos enfrentar. Para isso, não podemos prescindir de uma política industrial agressiva, que crie um ambiente favorável ao investimento, à produção, ao emprego, ao aumento do comércio exterior, à pesquisa tecnológica, à educação.
É inadiável acabarmos com as causas do "custo Brasil. Urge também criarmos uma estrutura institucional de governo que fortaleça o espaço de atuação do Ministério da Indústria e Comércio, o qual deveria ser o efetivo coordenador dessa política, por meio de um Conselho de Política Industrial e Comércio Exterior -com a participação não só de outros ministérios, mas também de representantes do setor privado-, com a tarefa de estabelecer nesse campo políticas globais, setoriais, regionais, de defesa de concorrência, anti-"dumping" e outras necessárias de uma maneira mais competente e articulada do que hoje.
Não se vence uma inflação como a que tínhamos e não se salta bruscamente de uma economia fechada para uma aberta sem sacrifícios. Mas desta vez, enquanto não alcançarmos o equilíbrio das contas públicas e tivermos ainda de depender de políticas cambiais e monetárias restritivas, que os custos dos ajustes sejam pagos por aqueles setores que ganharam muito nos últimos anos de inflação alta e economia fechada sem produzir, e não novamente pelos trabalhadores, agricultores e industriais.
Chegou a hora de o governo se preocupar mais em aumentar a mínima renda dos muitos brasileiros que estão na produção e menos em garantir os altos rendimentos dos poucos, mas poderosos, que estão na especulação.

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