São Paulo, sábado, 30 de dezembro de 1995
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Jovens urbanos dos anos 90 acham tudo um tédio

ERIKA PALOMINO

ERIKA PALOMINO; EVA JOORY
COLUNISTA DA FOLHA

EVA JOORY
"Ai, que tédio..." A exclamação parece ser a frase mais ouvida entre determinadas faixas de "twenty-somethings", nos grandes centros urbanos.
Os jovens entediados em seus vinte e poucos anos acham que já viram muito e têm pouco ou nenhum interesse em pessoas e lugares. Não se trata de tristeza, melancolia ou depressão, mas tédio em estado puro, apatia.
Não que os entediados dos 90 não queiram fazer as coisas. "Penso em chegar no lugar, entrar, olhar para as pessoas, me dá preguiça. Às vezes acho que tenho que superar isso, que não dá para achar tudo um saco. Mas acabo achando assim mesmo", relata a produtora Rose Elias, 30.
Para ela, "quando você é mais novo tem mais paciência e um espírito 'vamos lá'. Agora, coisas como sair para dançar, ir a shows, você já sabe meio como é".
O estilista Alessandro Tierni, 24, também pensa desta forma. "Dependendo dos dias, nem tenho vontade de sair. Penso nos lugares e perco o pique. Odeio ir a festas flopadas e programas como comer no Sujinho. Me dá tédio só em pensar. E à noite é pior. Só tem gente chata ou bêbada e sempre tem que esperar na fila dos clubes..."
Vernissages e lançamentos aparecem entre os entrevistados como as situações mais aborrecidas. Mas momentos como trânsito e filas de banco também são mencionados.
A revista "Time" de 28 de agosto deu capa para uma reportagem intitulada "Twentieth Century Blues" (as tristezas do século 20). Nela, o relato de pesquisadores que, partindo de Freud com "A Civilização e seus Descontentamentos", chegaram à conclusão de que o mundo moderno é, na verdade, um lugar desconfortável para viver.
Segundo estes estudos, os números de pessoas deprimidas aumentou sensivelmente em alguns países industriais nos últimos dez anos e o suicídio aparece como a a terceira maior causa de morte entre jovens adultos nos EUA.
"Sou entediado porque a vida não é um filme. Convivo com fila de banco, atrasos, trânsito e isso me entedia", conta Cacá Ribeiro, 33, promoter, ator e bailarino.
"São Paulo pode ser um tédio, mas já morei no mato nove anos e achava um tédio. Não aguento marasmo. Um dia larguei tudo e decidi ir morar na França. Estava entediada com a minha vida. Voltei nove meses depois, entediada", conta a editora de TV Claudia Machado, 30.
"O tédio é um sentimento humano", explica o psiquiatra Fabio Salzano, 27. "O problema é que existem vários graus. Todos mundo pode sentir tédio em algum momento da vida, mas quando se torna muito frequente, pode ser sintoma de doença, vira depressão ou algum tipo de distúrbio de personalidade, o que é bastante raro."
"Já tive estresse, fui a quatro cardiologistas, dois neurologistas e cada um dava um remédio. Tenho uma pochetezinha de antidepressivos e calmantes, mas nunca tomo. Mas esses medicamentos são meio para síndrome de pânico, não para o tédio", diz Rose Elias, que pensa em tomar Prozac.
Prometido como o antidepressivo dos anos 90, o Prozac ganhou fama e tratados como o livro "Prozac Nation" (1994), de Elizabeth Wurtzel -também em seus vinte e poucos, entediada.
O primeiro reflexo dessa sensação de indiferença é o isolamento social. Os entrevistados se queixam até mesmo quando saem ou estão com seus amigos. "Eles também são entediados", explica Cacá Ribeiro. "Quando estou com eles e não acontece nada, aí o tédio duplica."
"Ninguém nunca consegue se entender. Cada um quer fazer uma coisa diferente. E falar de trabalho me entedia", diz Alessandro Tierni. Para Claudia Machado, pior mesmo é quando os amigos chamam para sair aos domingos: "É tudo muito chato".
Ser tão cool não tem tanto glamour. "Pode atrapalhar quando começamos a passar uma imagem antipática ou negativa. Não é isso que eu quero passar, mas minha cara não esconde", conta Tierni.
"Dá uma certa inércia, mas ajuda para olhar para dentro de si", rebate Cacá Ribeiro. Para ele, o antídoto ao tédio é fazer sempre coisas diferentes, ler jornais, ver TV, dormir e comer bolachas.
Nem o Reveillon anima os entediados. "O meu vai ser um tédio porque estou de plantão e vou ter que trabalhar", queixa-se Claudia. "Não tenho esse pique animado que a maioria tem. Acho tudo uma grande besteira, um tédio", confirma Tierni. Mas tédio não significa pessimismo. "É legal traçar planos, sou positivo", diz Ribeiro. Para Tierni, "a vida vai continuar a mesma se a gente não batalhar".

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