São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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"Municipalite"

ANTONIO KANDIR

Na transição do regime autoritário para a democracia, passou-se com os municípios algo parecido ao ocorrido com os partidos políticos: abandonamos regras muito restritivas para adotarmos regras que facilitam ao extremo sua proliferação. Sem maior cautela e reflexão quanto às consequências.
No caso dos partidos, saímos do bipartidarismo para um sistema de cinco partidos. Hoje são 16 com representação no Congresso.
A frouxidão das regras fez com que a formação de um novo partido com representação parlamentar fosse o meio mais fácil e vantajoso de resolver conflitos de liderança. Não importando o tamanho de sua representação, ao novo partido já se assegura lugar nas comissões e no colégio de líderes.
Não é inteiramente diversa a lógica da proliferação dos municípios, que eram cerca de 4.200 em 1988 e hoje chegam a 5.400. Prevalece com frequência a lógica da acomodação política (em vez de acirrar a disputa num mesmo espaço, por que não criar outro?).
O incentivo à ruptura é maior do que o desestímulo, uma vez que o novo município tem acesso às transferências constitucionais, sem que o município de origem perca recursos na mesma proporção.
Se a proliferação exagerada de partidos tem efeitos indiretos sobre as finanças públicas, a de municípios produz efeitos diretos.
A criação de um novo município gera, no mínimo, despesas adicionais para a remuneração do prefeito, secretário etc. Ou seja, produz uma nova burocracia a ser sustentada com recursos públicos.
Um empresário que decida investir numa fábrica com escala menor que a necessária para ter retorno, quebra. O município que já nasceu sem a menor condição econômica de existir não quebra: pendura-se no Estado e na União.
Desse modo, criam-se pressões adicionais de custo nas finanças estaduais e federal, pulverizam-se e desperdiçam-se recursos públicos escassos e coloca-se em risco o conjunto dos municípios já existentes, à medida que a disponibilidade global de receitas no nível municipal não acompanhe a expansão das despesas geradas pela multiplicação de municípios.
É urgente estabelecer uma disciplina legal mais rigorosa para a criação de novos municípios, como já vêm fazendo alguns Estados e como pretende a emenda constitucional aos artigos 4 e 5, que define a necessidade de haver lei complementar federal fixando critérios objetivos para a criação de municípios, como capacidade mínima para gerar receitas próprias.
No fundo, a importância dessas medidas está em impedir que o tamanho da federação vá muito além da capacidade dos contribuintes de sustentá-la por meio do pagamento de impostos. Antes que seja tarde.

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