São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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De volta ao passado

OSIRIS LOPES FILHO

Como nos anos da ditadura militar, ao apagar do ano de 1995 mudam-se as regras e sai nova legislação do Imposto de Renda, abrangendo tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas.
A única mudança qualitativa ocorrida é que agora a nova disciplinação vem no bojo de uma lei, não mais medida provisória, versão remaquiada e mais abrangente dos decretos-lei do passado.
O espírito de realizar reformas nominalistas, meramente normativas, continua a presidir a orientação da elite brasileira. Não se altera a realidade, apenas a lei. Lei de baixa efetividade social. Continuam a prevalecer a evasão e a sonegação. Pouco se faz para mudar esse quadro desolador.
Aliás, devo penitenciar-me de observação feita em artigo anterior, ao considerar o governo FHC, no seu neoliberalismo, como continuidade dialética do governo Fernando Collor, com o hiato do governo Itamar Franco, que vai ficar na história como moralizador no trato da coisa pública.
Justiça seja feita a Collor. No seu governo foi editada lei que acabou com a antiga prática que possibilitava ao sonegador, autor de crimes contra a ordem tributária, extinguir a punibilidade de seu delito, realizando o pagamento do tributo com os acréscimos legais, antes da denúncia do crime, a ser feita pelo Ministério Público.
O presidente FHC, contrariando acordo com as lideranças do Senado, não vetou o caput do artigo 34 da nova lei do IR das pessoas jurídicas, que permite ao sonegador, na véspera da denúncia pelo Ministério Público, pelo crime praticado, pagar o tributo devido com os acréscimos legais, e ter extinta a sua punibilidade.
Trata-se o sonegador, que por definição é um criminoso, como um contribuinte retardatário, que exige para realizar o pagamento devido a ameaça de cadeia, cujo primeiro passo é a denúncia a ser oferecida pelo Ministério Público.
Durante o governo Itamar, o sonegador foi eleito, com acerto e justiça, inimigo público, efetivo sabotador do Estado, uma vez que, além de não pagar o imposto devido, lança mão de artifícios criminosos com o intuito de iludir o aparelho arrecadador do Estado.
A corrente favorável a tal dispositivo, mantido na lei, argumenta que o importante é arrecadar, isto é, forçar o sonegador a pagar.
Esquecem-se de que o crime de sonegação não agride apenas a ordem tributária, mas também a fé e a administração pública, pois abrange outras práticas delituosas, como o estelionato, a falsificação, falsidade ideológica etc.
A debilidade do argumento é tamanha que, em arremate, só falta alguma autoridade dizer que tal medida tem outras consequências benéficas: diminui a população carcerária, que já é enorme, e economiza gastos do Estado na manutenção do sonegador na prisão.
O que fica evidente, no entanto, a despeito de todos os esforços dos valentes procuradores da República no combate à criminalidade tributária e do colarinho branco, é que a elite dominante protege os seus iguais e se preocupa, como dizem os americanos, com os seus "esqueletos no armário". A elite e o governo não correm riscos, precavêm-se para o futuro.
Governo da política do Real é isso aí: arrocho no IR das pessoas físicas e presente de Ano Novo pra os sonegadores. Afinal, cadeia é para pobre e preto. Sonegador rico merece outra coisa...

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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