São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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O futebol brasileiro necessita de heróis

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Ouvir o ex-goleiro e treinador José Poy descrever a cena é coisa de cinema noir.
Zizinho desce ao saguão do hotel em Milão ou Madri, tanto faz, de terno escuro, camisa alvíssima, colarinho irrepreensivelmente alisado, gravata de seda italiana grená, cravo branco na lapela e a mão a meio palmo do rosto ostentando uma longa piteira de prata.
Olhando para o infinito, vara o silêncio que subitamente baixou na sala, escolhe uma poltrona de couro, senta-se e espera, conferindo o esmalte impecável das unhas. Paira uma densa expectativa, até que o companheiro mais ousado arrisca: "Mestre, aonde vamos nesta noite?"
Mestre Ziza dá um suspiro, acompanha com o olhar o friso da calça e, num salto, apruma-se, sentenciando: "Sigam-me!"
Nem George Raft faria igual.

Como se vê, Zizinho, o Mestre Ziza, fazia o tipo capo-máfia. Digamos que tenha sido o Sinatra do nosso futebol. Era uma estrela, pura, em todo o seu resplendor, para o bem ou para o mal. No campo, porém, doava o coração, distribuía generosamente passes preciosíssimos para os companheiros, uma fortuna em boa parte desperdiçada a cada jogo.
Pode-se dizer o mesmo dos nossos heróis recentes?
Neste dias de festas, vi duas cenas arrepiantes na TV.
Numa, Edmundo, que transformou em pesadelo o mais dourado sonho dos flamenguistas, saindo de uma piscina, creio, desprovido de qualquer expressão no rosto, mandava, em síntese, a seguinte mensagem ao corintiano, que acalenta sua vinda para o Parque como um valioso presente: já que não dá mesmo pra ficar no Rio, aceita voltar para São Paulo, desde que o Flamengo acerte com ele uma dívida recente, coisa de R$ 200 mil. Mesmo sabendo que o departamento de marketing do Corinthians terá de fazer das tripas coração para lhe pagar o salário astronômico que recebia na Gávea. Isto é: limpar uma imagem turvadíssima e construir uma outra, clara, transparente e positiva, em seu lugar. Como, se Edmundo transmite só dissimulação?
Dissimulação? No caso de Danrlei, nem isso. Foi puro cinismo negar com a cara mais deslavada do mundo ter agredido o tal juiz, naquela pelada que as câmeras gravaram e reproduziram nitidamente.
Não se fazem heróis como antes.

O Palmeiras, dizem, flerta com Silas, que virou ídolo na Argentina, depois de frustradas e breves passagens por Vasco e Inter-RS, na volta da Itália.
Os argentinos chamam-no de maestro, que, traduzindo, seria professor. Não chegaria a tanto. Mas que se trata de um raro exemplar de armador, essa espécie em extinção, disso não tenho dúvida.

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