São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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Delenda São Paulo

SÉRGIO TEPERMAN

Este é um artigo politicamente incorreto. É mesmo de espantar, para um arquiteto que, tendo estudado em Florença, deveria ter alguma sensibilidade artística.
Mas São Paulo não é Florença, muito embora nossos órgãos do patrimônio, partidos verdes, sociedades de amigos de "bairros" do alheio e "grã-grossos" dos Jardins insistam em tratá-la como tal.
Com isso, estão engessando a cidade. Le Corbusier, o famoso arquiteto dos livros publicados, em vez de obras construídas, disse que as cidades deveriam ter áreas de trabalho, descanso, lazer e circulação totalmente separadas, transformando, assim, metrópoles em cidades-dormitórios.
Ele não notou que em Paris vendem-se perfumes ao lado de selas, sobre oficinas, em restaurantes, ao lado de bancos de dinheiro ou de jardim. É isso que dá vida às cidades, e não simplesmente chamar bairros de "Vila Olímpia Viva" ou cemitério dos Pinheiros.
Tentar enxergar São Paulo como uma cidade bonita é falsificar a realidade. São Paulo é feia, difícil, dura, agressiva. É uma cidade de trabalho, e não de lazer.
Basta ver os roteiros internacionais de turismo que passam pelo Brasil e que ignoram uma cidade de 15 milhões de habitantes.
Só vejo uma forma de torná-la mais agradável: é aceitar, incentivar e aproveitar o fato de que nossa cidade é definitivamente moderna, é uma cidade cujo encanto (se um dia existirá) será o de ser uma cidade como as americanas. Claro que, como todos, gostaria que fosse uma cidade européia, mas, graças a Deus, do ponto de vista econômico, não é Buenos Aires.
O preço a pagar por esse desenvolvimento a todo custo é aceitá-la como uma cidade americana, cheia de símbolos de consumo, de anúncios, de edifícios altos, de grandes avenidas e viadutos. E, ainda bem, de riqueza, a que todos aspiram em um país tão pobre.
São Paulo foi construída e destruída três vezes em um século. Em vez de irmos contra esse fato, consideremo-lo parte integrante do espírito paulista e vamos demoli-la mais uma vez (aliás, já estamos fazendo isso). Vamos usar o espírito empreendedor da cidade para criar novos espaços, amplos e abertos, melhores ruas, avenidas e praças, onde o símbolo seja o moderno, onde os trabalhos de urbanização tenham a grandeza do Anhangabaú ou da nova Faria Lima, e não de prefeituras que se limitam a pagar funcionários públicos e a limpar guias e sarjetas.
Evidentemente, alguns serão prejudicados. Mas a somatória dos desejos individuais é a falência da sociedade. Muitos dos que defendem a "pureza" de certas áreas da cidade estão na realidade defendendo posições políticas próprias ou vantagens adquiridas numa sociedade desigual. Bom exemplo é um museu da escultura (lindo edifício, por sinal), que só se chamará museu das esculturas quando comprarem outra.
Fazem assim a arquitetura de "antiprojetos", a "anarquitetura", os estranhos arquitetos que se formam para não construir e para impedir os outros de fazê-lo.
E com isso bloqueiam o caminho da cidade. Um caminho que é definitivamente o de uma cidade moderna e arejada, cujas velharias têm no máximo 70 anos.
São Paulo pode ter seu lado de Paris: a Paris dos restaurantes e a Paris de Haussmann, cujos bulevares hoje admiramos, mas que eram antes vielas quase medievais.
Enfim, o que seria de Florença, a cidade símbolo da arte, se, há 500 anos, um mentecapto qualquer instituísse uma lei proibindo construir qualquer coisa a menos de trezentas braças, jardas ou covados de um edifício que fosse monumento histórico?

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