São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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Riqueza impede a pacificação de Angola

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A ANGOLA

As riquezas naturais do solo de Angola continuam sendo um obstáculo à pacificação do país. A luta pelo controle das regiões produtoras de petróleo e diamantes está por trás da falta de pressa das partes, o governo e a guerrilha, em desmobilizar suas forças, e mantê-las em quartéis ou áreas de aquartelamento construídas pelas Nações Unidas.
O recente episódio em que brasileiros da força de paz da ONU foram confinados em suas bases se deveu claramente a essa cobiça.
A guerrilha Unita (União para a Independência Total de Angola) deu como pretexto para confinar os brasileiros em Andulo, região central do país, um estado de alerta provocado por um ataque do governo em Soyo, extremo noroeste de Angola.
Foi um gesto para chamar a atenção internacional. Os observadores em Andulo -que incluem militares do Senegal, do Quênia, da Jordânia e de Bangladesh e à época um brasileiro- também foram proibidos de sair de sua casa na cidade.
O governo do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) está de posse de Soyo, onde obtém recursos pela exploração de petróleo.
A guerrilha domina boa parte da área rural em torno e estradas que levam à cidade. Interessava ao governo uma ofensiva limitada para assegurar as comunicações com a capital, Luanda.
O episódio mostra a dificuldade da forças das Nações Unidas em cumprir sua missão de fiscalizar a paz.
Os dois lados se acusam pelo ataque, mas saber quem começou é uma tarefa quase impossível.
Um dos observadores em Soyo era o capitão brasileiro Armando Lemos, paulistano. "Começou no final de novembro. Eu ouvia da cidade os combates e recebia relatos dos oficiais de ligação. Depois fui de helicóptero ao local, pois as estradas estavam minadas", diz Lemos.
O problema é que visitar o local do combate, dois ou três dias depois, não dá pistas seguras sobre quem de fato iniciou a ação. Mas, nesse caso, quem mais tinha mais a ganhar com a luta era o governo angolano.
Uma guerra de boatos e comunicados à imprensa faz parte do modo de agir dos dois lados, mas principalmente da Unita, que, depois de ter confinado os "capacetes azuis" em Andulo, surgiu com novos pretextos, todos falsos, para justificar sua ação -de que teria havido uma tentativa de assédio sexual e ofensas ao seu líder Jonas Savimbi, em um culto evangélico realizado por alguns brasileiros.
A guerra civil em Angola acontece, em diferentes intensidades, desde a independência de Portugal em 1975.
A atual força de paz da ONU no país, a Unavem 3, é a terceira missão de verificação (de cessar-fogo).
O fato de ser a terceira desde 1989 atesta como os dois lados podem rapidamente passar da guerra de comunicados para a imprensa para a guerra de tiros e bombas.
"A Unita foi muito mais um movimento armado do que um partido político ao longo destes 20 anos. Ela tem grandes, e naturais, dificuldades em fazer um processo de aquartelamento e desarmamento", diz o embaixador brasileiro em Angola, Alexandre Addor Neto.
A desconfiança entre os lados precisaria, portanto, ser superada pela força de paz, pois, como diz Addor, "com a aproximação do aquartelamento, há uma tendência a ocorrerem incidentes como esses".
Mas mesmo que aconteçam de novo, não haveria risco iminente para a tropa, a não ser que ela se movimente.
Os caminhos podem ser minados, e os veículos pintados de branco da ONU seriam um alvo fácil. A única solução é o diálogo, e esperar pelos resultados da diplomacia.
"Não tenho indicação de que o governo queira se aproveitar de um desarmamento da Unita", diz ele. "A paz interessa ao governo inclusive para superar a crise econômica", declara Addor.
"É preciso que a Unita se convença da necessidade de acelerar o aquartelamento para poder se integrar ao governo na reconciliação nacional", diz o embaixador.
O aquartelamento está praticamente parado, embora parte do problema seja a falta de recursos e a incompetência administrativa das Nações Unidas.
Segundo o acordo de paz -o chamado Protocolo de Lusaka- a Unita teria direito a ministérios, governantes de Províncias e deputados.
Transformar a ênfase de sua ação de força armada em partido político é o desafio que os próprios guerrilheiros da Unita têm pela frente.

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