São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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Gigolôs da tragédia

GILBERTO DIMENSTEIN

Educadores da Prefeitura de Nova York transformaram em cobaias 125 adolescentes, todos rebeldes e péssimos alunos, considerados irrecuperáveis pelos professores.
Instalaram gratuitamente em suas casas um computador acoplado a uma linha telefônica e deram dicas sobre como navegar pelas redes de informação, capazes de acessar do Louvre, em Paris, passando pelo Museu do Vaticano, os arquivos da Universidade de Columbia, até as revistas de mulheres peladas.
Esperavam para ver o que acontecia, e o resultado saiu muito melhor do que imaginavam. Uma boa parte deles encostou a televisão e se apaixonou pelo aprendizado por meio da Internet, a rede mundial de computadores.
Mais importante: 30% do grupo entrou em cursos preparatórios para a faculdade. Essa magnífica experiência é um dos combustíveis para uma meta nacional prometida para o ano 2000: pelo menos um computador em cada sala de aula, conectado à Internet.
Qualquer análise séria sobre o futuro do Brasil e suas possibilidades de produzir mais riqueza deve ser feita a partir dessas cobaias de Nova York.
Explico: segundo uma pesquisa do Ministério do Planejamento, em mais da metade das escolas públicas brasileiras não existe banheiro. Ou não funciona.
Falar em computador soa a brincadeira de mau gosto, quando faltam linhas telefônicas, e, pior, encanamentos de esgoto. Em algumas cidades do interior do Nordeste, a professora não ganha mais de R$ 20, segundo o Ministério da Educação.
O acesso ao computador e suas redes é, hoje, a nova linha divisória do analfabetismo.

O desemprego tende a subir cada vez mais na lista de preocupações brasileiras, depois da queda da inflação; é um dos candidatos a tema preferencial na próxima sucessão presidencial.
Numa economia globalizada e competitiva, a qualidade da mão-de-obra é fundamental para a geração de riquezas -assim como, por exemplo, energia elétrica.

O problema é que o Brasil gerou gigolôs da tragédia -gente que se beneficia da miséria e da crise. Assim como a inflação enriqueceu muita gente (basta ver os bancos que agora estão quebrando ou reduzindo o lucro), a ignorância ajuda a manter uma casta no poder.
Não são poucos em nossa elite conscientes de que não sobreviveriam num país mais civilizado.

Reconhecimento: a mais estimulante experiência social no setor público deste ano fica com o PT. Em Brasília, lançou uma experiência que começa a se propagar pelo país, ao criar a bolsa-educação. O aluno recebe para estudar e, depois de concluído o curso, retira uma caderneta de poupança.

Prova de que, embora lentamente, o país melhora, para o desespero dos gigolôs da tragédia. É que um número cada vez maior de empresas apóia projetos sociais; muito pouco ainda, mas melhor do que nada.
Imagine o que aconteceria se todas as empresas copiassem o exemplo da Natura, que levanta fundos para apoiar as escolas públicas.
PS - Aliás, o Banco Itaú lançou com o Unicef um guia, elaborado pelo Cenpec, sobre experiências sociais bem-sucedidas no Brasil -uma leitura obrigatória para homens públicos, principalmente prefeitos.

Ganhando o status de deficientes, os depressivos ganham aqui causas na Justiça. Martin Putnam sofria de depressão e foi demitido da Pacific Gas & Electric, em San Francisco.
Reclamou diante do juiz que seu patrão deveria levar em consideração seu estado mental e aliviar sua carga horária. Convenceu e ganhou bolada para depressivo nenhum ficar deprimido por muito tempo: US$ 1,1 milhão.

Mais uma boa notícia para quem gosta de álcool, principalmente vinho. Já sabíamos que dois copos por dia faziam bem ao coração e ajudavam a evitar derrames. Pesquisadores daqui informam que também é ótimo contra resfriados, segundo experiência na Universidade Carnegie-Mellon.
Expuseram 400 pessoas ao vírus da gripe -reagiram melhor os que bebiam dois copos por dia de vinho.

Palavra da Associação Médica Americana: se todos os habitantes daqui que bebem moderadamente se afastassem do copo, 81 mil pessoas a mais morreriam por ano. Quase o dobro, em apenas dois meses, de todos os soldados americanos mortos na Guerra do Vietnã.

Palavra do pesquisador Thomas Pearson, da Universidade de Columbia: "Beber moderadamente tem o mesmo efeito para o coração do que remédios".
Mais uma ótima notícia: segundo ele, é recomendável para perder peso como fazer ginástica.

Talvez as feministas não gostem e vejam aí discriminação. Mas as novas pesquisas fazem ligação entre bebida e câncer no seio. Portanto, segundo os médicos, as mulheres não deveriam passar de um copo de vinho por dia.

PS - Ninguém pode estar satisfeito com o Brasil. Mas, neste ano, temos mais motivos para comemorar -pouco a pouco, a democracia vai cortando a cabeça dos gigolôs da tragédia.
A inflação baixa é uma conquista não do presidente ou de seus ministros, mas do árduo aprendizado de toda uma nação, cansada com a instabilidade; é preciso agora que fique cansada da miséria e da ignorância.
Como os médicos americanos dizem que beber moderadamente é tão bom como ginástica ou fazer dieta, temos aí mais um bom motivo para brindar (com menos culpa) a passagem do ano.

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