São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 1995
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Espiões dos EUA passam para a guerra comercial

Libération
De Paris

JEAN GUISNEL
EM WASHINGTON

"Existe vida após a morte?" O tema da discussão não deixa dúvidas: no luxuoso salão de um grande hotel em Washington, cerca de 20 agentes governamentais americanos a serviço da informação -nem todos identificados- estão reunidos para discutir seu futuro.
Estão preocupados em relação ao trabalho de espionagem pública. Todos tentam entrar em empresas e, assim, "praticar a informação competitiva".
As oportunidades parecem promissoras, mas nem por isso deixam de provocar inquietação. "Que farei?", pergunta um agente. "Durante meus 30 anos no serviço público, não fiz como alguns de meus colegas, que passaram o tempo todo estabelecendo bons relacionamentos."
Todos acreditam que vai cair em 20% o número de funcionários em consequência do plano de cortes programado pela CIA (agência de informações dos EUA). Pensam também que a capacidade que demonstraram na luta contra o comunismo não tem nenhuma importância depois da queda do regime.
Nessas condições, não há nada de espantoso no fato de a SCIP (Sociedade para a Informação Competitiva), que agrupa todos os profissionais da espionagem "aberta" que operam em empresas, receber 900 pedidos de informação por mês.
Mas no caso de uma empresa interessada apenas em ações legais, essa nova forma de guerra comercial consiste em extirpar dos concorrentes informações que eles não desejam comunicar e, ao mesmo tempo, preservar as próprias.
Esses métodos são, justamente, os que mais atraem os serviços oficiais americanos.
A CIA e seus agentes secretos coletam informação "humana"; a Agência de Segurança Nacional busca informações técnicas, principalmente de origem eletromagnética. A Agência de Defesa e Espionagem trabalha para o Pentágono, e o Escritório de Reconhecimento Nacional dirige satélites de espionagem.
Agora que a Guerra Fria acabou, é preciso reestruturar essas forças, e o presidente Bill Clinton anunciou oficialmente, há alguns meses, que estava na hora de readaptar o aparelho clandestino de espionagem em favor das empresas.
Há alguma contradição com os princípios básicos do liberalismo triunfante? Pouco importa. Tudo isso será endossado por uma análise oportuna de práticas "desleais" da concorrência estrangeira.
O orçamento da comunidade de espionagem americana não mudou muito: US$ 28 bilhões por ano. E qual o resultado? Ínfimo, na opinião de todos os analistas. Robert Steele, 43, trabalhou para a CIA na Nicarágua e em outros países. Defendeu, em Washington, sua teoria: não é clandestinamente que se deve praticar espionagem. Num mundo de transparência e comunicação, tudo é visível, ou pode se tornar, com algum esforço.
Cercar dados na Internet, vasculhar dados, extirpar a medula das publicações governamentais, analisar publicações de jornalistas especializados, triturar anúncios.
Fontes abertas representam tudo isso. Nas empresas, elas têm uma importância crucial. Steele quer que a CIA mude seus métodos e se envolva também com as fontes abertas. "A espionagem americana dedica apenas 1% de seu orçamento para isso. Ora, 40% das informações realmente úteis vêm de fontes acessíveis a todos."

Tradução de Lise Aron

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