São Paulo, quarta-feira, 1 de fevereiro de 1995
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Falta uma revolução nas S/As

LUÍS NASSIF

Um dos pontos centrais na modernização do capitalismo brasileiro é o aprimoramento das sociedades anônimas. Há uma legislação em vigor, com mais de 20 anos de idade, necessitando reformas. O debate sobre as mudanças teve início há cerca de dois anos, mas empacou no emburrecimento geral que marcou o governo Itamar.
Ocorre que essa reforma é precondição para várias reformas essenciais, que necessariamente deverão ser interligadas para sair, daí, um país mais homogêneo e equilibrado.
Privatização saudável pressupõe a pulverização do capital, e a utilização das estatais para pagamento das chamadas dívidas sociais. Uma das dívidas sociais essenciais é junto à Previdência Social. Há a necessidade de lastro para um Fundo Previdenciário, que garanta os direitos adquiridos dos contribuintes atuais, permitindo a reforma do órgão.
Ao mesmo tempo, o novo modelo previdenciário contempla a disseminação de fundos de pensão, garantindo a aposentadoria complementar.
Ambos os institutos —o Fundo Previdenciário e os fundos de pensão— só são eficazes com um mercado de capitais maduro, com liquidez, e com respeito aos direitos dos investidores. Senão, coloca-se uma montanha de recursos na entrada da caixa de água e uma torneira emperrada na saída.
A lei atual não prevê essas garantias. Criou-se uma criatura híbrida no país, que são sociedades anônimas de dono.
Se o empreendedor optou por transformar a empresa numa sociedade anônima, buscando recursos no mercado, ela passa a ser empresa pública. Não se misturam mais negócios particulares com negócios da empresa. Cessa o comando absoluto do dono. Mesmo se mantiver o controle acionário, ainda assim terá de se subordinar a regras de relacionamento com os minoritários.
É esse arcabouço que precisa ser introduzido urgentemente na nova legislação, como preparativo para a nova etapa de reformas.

Paranapanema
O que ocorre hoje em dia com a Paranapanema —durante muitos anos uma "blue chip" do mercado, sempre muito manipulada pelos controladores— é significativo desses vícios culturais que ainda persistem.
A empresa era controlada por dois sócios. Um deles vendeu sua parte para o outro. Antes que completasse o pagamento, o comprador faleceu. Os herdeiros assumiram o comando da empresa —e a dívida.
Não consta que disponham de recursos próprios para pagar a dívida. Mas, como controladores da companhia, tem poder de gerência sobre um caixa que ascende a mais de US$ 130 milhões.
A empresa não dispõe de um plano de investimento decente, discutido abertamente em assembléia geral extraordinária. No ano passado, cerca de US$ 50 milhões ficaram depositados em bancos americanos, recebendo remuneração abaixo da de mercado.
Os minoritários levantaram a suspeita de que essas aplicações visariam desviar recursos da empresa para os controladores. Na última assembléia, essas suposições não receberam esclarecimentos satisfatórios. E a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), responsável pelo setor, até agora não se manifestou.
Enquanto procedimentos como este não forem varridos do mapa, a economia brasileira jamais ingressará na era de modernização que se desenha.

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