São Paulo, quarta-feira, 1 de fevereiro de 1995
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Reforma da previdência

ALFEU LUIZ ABREU

A reforma constitucional deve ser uma das principais tarefas do futuro Parlamento. Com isso, as medidas realmente necessárias para a governabilidade do Brasil devem ser prioritárias. Assuntos de extrema importância e abrangência não podem ser decididos sem uma ampla discussão da sociedade. É o caso da Previdência Social.
Antes de propor a total privatização do sistema, é preciso conhecer como ele chegou à situação em que está. A previdência social brasileira nasceu na década de 20, com as entidades assistenciais e previdenciárias. Logo depois elas foram substituídas por outras mais bem estruturadas conceitualmente —os institutos classistas. Eles atuavam em regime financeiro de capitalização, que consiste em formar os fundos garantidores dos planos de benefícios durante a própria vida laborativa do trabalhador.
Infelizmente, esse sistema, que vinha dando certo, foi substituído pelo malfadado INPS em 1966. A partir daí, o valor da aposentadoria foi se distanciando cada vez mais do antigo salário do trabalhador. Pelo mau uso dos recursos, pelo número crescente de assistidos e, principalmente, pelo regime de repartição simples que foi adotado na sua criação, a previdência faliu. Neste regime, os trabalhadores ativos pagam os custos dos benefícios previdenciários daqueles já aposentados. Com o aumento da expectativa de vida, o mercado de trabalho informal e outros fatores, consequentemente, diminuiu a relação entre ativos e aposentados, que é a base financeira do regime de repartição simples.
Nesse contexto, surge a previdência privada, em 1977, funcionando paralelamente ao sistema oficial, sob o regime de capitalização e regida pela Lei 6.435. Essa lei é fruto de um longo período de estudos e reflexão, para o qual o Congresso Nacional contribuiu ativamente com a incorporação de 88 emendas ao texto encaminhado pelo Executivo durante o processo legislativo de aprovação da lei. Das emendas apresentadas por dezenas de parlamentares, nada menos que 50 foram acolhidas.
É difícil encontrar a solução para o problema da previdência oficial quando, historicamente, fizemos a opção errada trocando de regime. Sob este aspecto, devemos voltar ao passado, dando fim ao gigantismo e distribuindo a administração da aposentadoria e pensão segundo os verdadeiros interesses dos trabalhadores e empresários. A sociedade deve definir o tamanho da previdência que deseja e quem deve administrá-la. Ao nosso ver, a previdência deve ser dividida em três segmentos, assim distribuídos:
1. Até 5 salários mínimos, que corresponde a 80,2% da população brasileira: contribuição compulsória ao órgão de previdência estatal, com o valor dividido entre patrão e empregado, proporcional ao benefício.
2. De 5 a 10 salários mínimos, que corresponde a 11,4% da população brasileira: contribuição compulsória para entidades privadas (fundos de pensão fechados ou abertos). A contribuição seria dividida entre patrão e empregado, proporcionalmente ao benefício.
3. Mais de 10 salários mínimos: contribuição livre para fundos fechados ou abertos, com participação do empregado e do empregador, ou só de uma das partes.
4. Autônomos: até 5 salários mínimos, contribuição compulsória ao órgão de previdência estatal, e a partir de 5 salários mínimos contribuiria para uma entidade de previdência alternativa.
Tanto no item dois quanto no item três, os benefícios são definidos; isso quer dizer que, em caso de interrupção de contrato do trabalhador com a empresa, as contribuições dos dois podem ser transferidas para outro fundo de pensão ou entidade seguradora (caso o novo emprego não possua fundo de pensão) devidamente corrigidas. O sistema que estamos propondo é brasileiro, não é cópia de nenhum outro país.
O modelo chileno, tão badalado, segundo o ex-presidente Patrício Aylwin leva em consideração somente aposentadoria aos 65 anos de idade (não existe aposentadoria por tempo de serviço). Ele estimula a concentração do poder econômico nas mãos de um pequeno número de administradoras de fundos de pensão-AFP, o que pode torná-las donas de grande parte da atividade econômica do país. Razão pela qual Aylwin estava procurando estimular a criação de novas AFPs que incluíssem os trabalhadores na sua administração. Ele foi mais além quando respondeu sobre o nível de contentamento dos chilenos: "de fato, as pessoas vêem o sistema com confiança. Sem dúvida, um sistema mais egoísta, com mesmo estilo social, menos solidariedade".
Se olharmos o sistema chileno com atenção, vamos encontrar outros problemas sérios. Como ele está estruturado na capitalização individual, e como em qualquer sociedade as pessoas ficam doentes durante mais ou menos 5% a 10% do tempo, como fariam suas contribuições nesse período? E quanto ao desemprego? É normal que, durante 45 anos de trabalho, alguns sejam representados por períodos de desemprego —logo, sem capitalização. Isto é mais constante entre os menores salários e as menores idades. Logo, vai representar a necessidade de, no futuro, o Estado ter que arcar com parte da aposentadoria para oferecer pelo menos o mínimo ao trabalhador.
A nossa proposta une o melhor do sistema chileno ao melhor do modelo brasileiro, que são, respectivamente, a capitalização e a solidariedade entre os participantes. Além do mais, o modelo aqui proposto inclui fundos de pensão, administrados por patrões e empregados, que tira das mãos de pessoas ou grupos econômicos o poder de investimento de longo prazo, tornando o país uma verdadeira sociedade anônima em que cada brasileiro participante da previdência complementar é sócio de um "%" do PIB.

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