São Paulo, quarta-feira, 1 de fevereiro de 1995
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Comunidade Européia busca filmes perdidos no Brasil

RICARDO CALIL
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Os pesquisadores italianos Gianluca Farinelli e Vittorio Martinelli vêm percorrendo o mundo para estabelecer uma arqueologia da imagem. Por meio de um fotograma, eles são capazes de identificar a época, o país e os protagonistas de um filme raro.
O projeto pretende restaurar esses títulos e estabelecer uma filmografia geral do cinema europeu. Segundo Farinelli, hoje restam apenas 20% da produção européia.
Com o projeto, eles querem aumentar esse percentual em 5% —o que corresponde a 10 mil títulos, entre curtas, médias e longas. "Será um milagre", afirma Farinelli, responsável pelo arquivo da Cinemateca de Bolonha.
Os dois pesquisadores já percorreram as cinematecas de Madri, Roma, Paris, Bruxelas, Amsterdã e Montevidéu. Ontem, seguiram para a Cidade do México, antes de recomeçar a busca na Europa, que só terminará no final deste ano.
O país que produziu o filme será responsável por sua restauração. Depois de copiado, o filme voltará para a cinemateca onde estava arquivado. Os títulos restaurados serão exibidos nos festivais de Berlim, Veneza e Cannes de 1995, entre outros.
Farinelli não sabe avaliar o custo do projeto Lumière, mas avalia que a restauração de cada filme fica entre US$ 10 mil e US$ 40 mil. "Certos problemas encarecem o projeto. Encontramos quatro cópias de 'Fausto', de Murnau, com montagens totalmente diferentes, e decidimos restaurar todas."

Descobertas
Em Montevidéu, os pesquisadores viram, em cinco dias, 138 filmes —na verdade, alguns fotogramas e algumas cenas de todos eles. Descobriram 50 títulos que não estão catalogados na Europa, entre eles um filme do sueco Victor Sjõstrom.
A rotina dos dois pesquisadores inclui 30 a 50 filmes por dia —dos quais 90% são identificados. "Nosso prazer não é assistir aos filmes, mas recuperar imagens perdidas. É como uma operação cirúrgica", diz Farinelli.

Brasil
O trabalho não será tão árduo no Brasil. Para Martinelli, presidente da Associação dos Historiadores de Cinema da Itália, a Cinemateca Brasileira tem um dos arquivos mais organizados do mundo.
Daqui, os pesquisadores levaram uma lista de filmes raros para avaliar quanto tempo gastarão em uma procura mais detalhada. Em dois meses, eles voltam.
O intercâmbio entre a Cinemateca Brasileira e as italianas ganhou força em 1988. Naquele ano, 50 filmes mudos italianos que pertencem ao arquivo brasileiro foram restaurados na Itália, que desconhecia a maioria dos títulos.
Entre os filmes encontrados no Brasil há curiosidades como "Macciste en el Infierno", primeiro filme assistido por Fellini, aos 5 anos. O cineasta disse, anos depois, que sempre tentou refazer aquele filme.
Na Itália, havia uma cópia, muito deteriorada, com os dois planos originais do filme —céu e inferno. Na cópia sueca, sobrava apenas o céu. E no Brasil, coincidência ou não, só restava o inferno. Da união das três cópias, chegaram à versão original, que deverá ser exibida este ano no Brasil.

Festival
Farinelli e Martinelli aproveitaram sua vinda ao Brasil para conseguir filmes para o Festival Cinema Ritrovato (reencontrado), que acontecerá em julho em Bolonha.
Este ano o tema será "como o cinema mudou a imagem do mundo". Do Brasil, serão levados filmes de Thomaz Reis, cinegrafista das expedições do marechal Rondon, e "São Paulo, Sinfonia da Metrópole" (1929), de Adalberto Kemely e Rodolfo Rex Lustig.

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