São Paulo, quarta-feira, 1 de fevereiro de 1995
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Pavana para o Congresso defunto

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — Mais uma vez entro gostosamente na contramão: não atirarei pedras no Congresso que ontem encerrou sua legislatura. Ele não se diferenciou dos antecessores.
Já tivemos Congressos que se dobraram ao arbítrio, que coonestaram a força bruta. Os poços do Inocêncio e os calendários do Lucena são crimes menores em relação aos desvios do dinheiro da saúde promovidos por Itamar e FHC no ano passado.
A cumplicidade com o arbítrio, sim, é falta grave, dessas que a história registra para sempre. Acho ridícula a cara de asco dos âncoras da TV desancando o Congresso como se ele fosse a besta apocalíptica solta no Planalto Central. Pior ainda: o deslumbramento com que se referem aos poderosos do dia, aos bem-amados do poder.
O Congresso que está indo embora votou o impedimento de um presidente da República. Cassou diversos de seus membros não porque tiraram fotos de cuecas, mas porque manipularam verbas do Orçamento com deslavada improbidade.
As mazelas de um colegiado numeroso são mais ou menos comuns às instituições congêneres: ineficiência, mordomias, um regime de trabalho escandaloso (que não foi exclusivamente da defunta legislatura, mas de todas as demais e que certamente será da próxima), enfim, os abomináveis pecados do Congresso fazem parte do sofrido jogo democrático. Por isso existe aquela frase: a democracia, sendo o pior regime, continua preferível a qualquer outro.
Acho gozada a acusação de nepotismo e compadrio feita aos congressistas. E o que fizeram Sarney, Collor, Itamar e FHC? Houve concurso para preencher vagas?
Escolheram gente da carreira? Ou simplesmente usaram do critério pessoal e doméstico?
FHC foi membro desse mesmo Congresso até pouco tempo atrás. Também usou a gráfica do Senado para atingir seu público-alvo, um público diverso do de Lucena. Na admiração pelas qualidades dos atuais detentores do poder há uma dose de oportunismo e um deslavado puxa-saquismo.

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