São Paulo, quinta-feira, 2 de fevereiro de 1995
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O henê é nosso

MOACYR SCLIAR
"EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE CLINTON,

Foi com surpresa, para não dizer indignação, e até mesmo revolta, e quem sabe revulsão, e certamente tristeza, que li a notícia sobre a proibição do uso de henê brasileiro nos Estados Unidos. Para mim, não se trata de uma atitude sanitária como quer fazer crer essa Food and Drug Administration que —o nome já está dizendo— só devia tratar de droga, das muitas drogas que existem no mercado. Para mim se trata, isto sim, de uma solerte guerra comercial.
Guerra comercial?, o senhor perguntará surpreso, e eu repetirei: guerra comercial, sim. E não é guerra convencional, não, Excelência: trata-se de guerrilha, de sabotagem, de manobra diversionista.
Examinemos, se assim permite Vossa Excelência, as acusações assacadas contra o produto. Eles afirmaram ter recebido 1.800 reclamações. Convenhamos: num país de mais de 200 milhões de habitantes, esta cifra não chega a impressionar. E depois —as queixas, Deus! As queixas! Uma delas: o consumidores teriam ficado com cabelos verdes. E daí? Qual é o problema? Qualquer pessoa que ande nas ruas de uma cidade americana, ou européia, ou até mesmo aqui verá jovens com cabelos multicoloridos: amarelo, rosa-choque, púrpura. Na verdade, o que menos se vê são pessoas com a cor natural de seus cabelos. Quer dizer: é parte da cultura ocidental. Não procede, portanto, a queixa.
Quem sabe então a reclamação é contra a cor em si, o verde? De novo, devemos encarar com suspeição tal atitude. Que é o problema com o verde? É uma cor muito bonita. É ecológica, lembra a natureza. É lírica: 'Verde que te quero verde', escreveu o poeta Garcia Lorca em versos imortais. 'Verde' foi o nome de uma das revistas literárias mais importantes do país. E —para que não me acusem de nacionalismo verde-e-amarelo— lembro que o título de um dos livros de maior sucesso nos Estados Unidos é "The Greening of America", de Charles A. Reich. Se seus compatriotas querem tornar a América verde, deveriam agradecer esta colaboração. Ou será que não gostam do verde? Quem sabe prefeririam o azul, branco e vermelho?
A segunda queixa: consumidores teriam ficado carecas. De novo: qual o problema? Carecas estão na moda em todo o mundo: basta ver esses "skin-heads" que andam por aí. Ou será que há nesta acusação uma restrição à calvície? Será que para eles um calvo é uma pessoa de menor importância? Esquecem exemplos de carecas brilhantes, como o filósofo Foucault e tantos outros?
Eu acho que aí não existe só preconceito. Acho que há falta de tino comercial. Num país em que se fala tanto de marketing, os importadores do produto deveriam valorizar aquilo que rotulam de defeito. Poderiam usar frases tais como: "Você não apenas vai alisar seus cabelos, você vai se ver livre deles" ou "Depois de usar, não haverá mais o que alisar", tudo isto com o auxílio de jingles musicais e recorrendo a pessoas famosas, como aqueles jogadores de basquete completamente carecas, que diriam: "Depois deste henê, fiquei com o crânio de um bebê", isto naturalmente vertido e adaptado para o inglês.
Ao invés disto, senhor presidente, optaram pela proibição. Não é a primeira vez que proibem coisas, nos Estados Unidos; já fizeram isto à época da Lei Seca, com os resultados que se viu, os tiroteios, as guerras de quadrilhas, coisas que repudiamos com veemência. Temos a certeza de que o nosso produto se imporá. O verde vencerá. A careca vencerá. E com a careca verde atingiremos a glória, a imortalidade, e estaremos acima de todas as fofocas comerciais e sanitárias do mundo."

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