São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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Passageiro é gado

PAULO LUDMER

A maioria das companhias aéreas hoje nos transporta como gado. Elas reduziram ao mínimo o conforto, atormentadas pela crise e pela concorrência. Tratam o usuário como refém e não dão sinais de reverter esse estado de coisas.
Ilustro pela Varig, da qual sou cliente, por dever de ofício e brasilidade.
Depois de juntar meses de economias, fui descansar dia 09/01 em Portugal. Semanas antes, consegui lugar no vôo 708, direto SP-Lisboa, escolhido a dedo para férias curtas e agenda estreita e lotada.
A mercadoria que comprei e paguei à vista era um vôo menos demorado e cansativo. Paguei mas não levei. E não há nada a fazer.
Quatro horas antes da partida (marcada para 21h15), iniciei um estado de atenção e emocionalmente a vivência. De cara, a Varig adiou a partida para 21h45. Em seguida, avisou que o vôo faria escala no Rio, sem explicações. Seriam duas horas e meia de atraso face ao transporte que havia comprado.
Mas o embarque em Cumbica atrasou. Nós no avião irritados até que o comandante justificasse que acomodavam cargas no porão. Ora, por mais cargas que haja de última hora, a Varig sacrifica três centenas de humanos a bordo, com calor e naturalmente tensos.
No Rio, houve troca de aeronave. E mais atraso. Às 0h30, embarcados e sem explicação, calor de matar, ar viciado, espaço minimal, o comandante explicou que ajustavam carga no porão. Mesma desculpa, mesmo perfume de mentira.
O relógio mostrava 1h15 de 10/janeiro, quando entrou uma jovem em prantos. Minutos depois, outro jovem acenando à chorosa. Um drama humano e quatro horas de desgastante espera. Aí partimos e uma aeromoça borrifou por todos os corredores um "bom ar" que me deu alergia, num ambiente que só se renovaria em Lisboa.
A comida? Horrorosa. Passageiros que o digam. O filme? Insultante.
Estressado e com meus 1,82 m, tive uma violenta câimbra às 3h. Sem poder me mexer e com muita dor, possivelmente esgotado por conta das mazelas da Varig, tive queda de pressão. Finalmente, reuni forças e me dirigi ao fundo do avião, pedindo ajuda a um comissário. Pedi licença para me esticar em algum banco vazio na classe executiva ou na primeira até passar o mal estacar. Nada feito: vôo lotado. Quis deitar no chão com receio de desmaiar. Proibido.
Me ajeitei, por conta própria, numa cadeira de comissária embutida na parede, e me virei sozinho. E se fosse um infarto? E como sofrem centenas de pessoas em situação igual ou pior nos aviões?
Respeito passa por preços. Paga-se por um trecho SP-Recife o mesmo que a Vasp cobra até Milão e a Transbrasil para Viena.
Os artificialismos da aviação brasileira, o intervencionismo do Estado na Varig, respondem pela enrascada no setor, conta que todos vamos pagando.

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