São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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A praga secular dos "notáveis"

LUÍS NASSIF

A atração vazia por "notáveis" na vida pública não é vício dos nossos tempos. Sempre que as idéias escasseiam, que não há um projeto de reformas abrangentes, a opinião pública clama e reza por sábios providenciais —os "notáveis"—, em geral pessoas já consagradas em sua profissão, sem experiência administrativa, e sem pretensões maiores do que curtir o renome alcançado.
Foi assim nos anos de vergonha do governo Sarney, e na fase de apodrecimento do governo Collor.
A coluna vem se batendo há tempos contra essas bobagens. As maiores reformas institucionais registradas nos últimos anos não foram conduzidas por "notáveis", mas por aspirantes a tal —pessoas jovens, não consagradas, mas com muitas idéias e vontade de mudar.
Foi assim com a reforma da política cambial, as grandes mudanças no sistema financeiro do início dos 90, a abertura da economia, as câmaras setoriais, os planos nacionais de produtividade e qualidade.
Como exemplo acabado de que os vícios públicos brasileiros são como o diabo —velhos e persistentes— confira-se o que ocorreu no Primeiro Império, em 1857, com o gabinete Olinda-Souza Franco, um gabinete medíocre mas composto por nomes prestigiosos.
Depois das rebeliões que se seguiram à abdicação de d. Pedro 1º, seguira-se um período de reorganização centralista e de conservadorismo atroz. Após o gabinete Paraná, seguira-se o de Olinda. A imprensa clamava por novas idéias e novos homens. O gabinete respondia com seus notáveis. A respeito dessa síndrome dos homens ilustres, que tanto encanta nossa herança lusitana, pronunciou-se na época o jornalista Francisco Otaviano, o mais reputado de seu tempo.
"Dizem os interessados, e repetem os que por indolência ou fraqueza não querem gastar o tempo em pensar nos negócios públicos, dizem que os cargos elevados precisam de 'nomes de prestígio'. (...) Mas o que é o 'prestígio', de que tanto se nos fala? Será o prestígio que elevou ao ministério Limpo de Abreu, Rodrigues Torres, Alves Branco, Honório (Marques de Paraná), Vasconcellos e tantos outros, moços, sem tradições, sem pergaminhos de chancelaria e sem outra recomendação mais do que seus talentos e vontade de bem servir? (...)"
"Não, o prestígio que se nos falam é outro. Não se querem mais hoje os improvisos que partam da imaginação feliz e pronta. Querem-se memórias acadêmicas, carcomidas pela traça, mas com encadernação de luxo e com broche vistoso. Ter servido em três ou quatro Presidências, ter sido duas ou três vezes ministros, ter tido alguma condecoração, ter alcançado pela política posições elevadas —eis aí o que se constitui um nome prestigioso".
Dia virá em que as análises sobre homens públicos tomarão por parâmetro básico suas idéias e seus atos efetivos. No futebol, o bom critério dos comentaristas já acabou de vez com os "armandinhos".

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