São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ídolos de pés de barro

LUIZ A.P. SOUTO MAIOR

A crise econômica mexicana —independentemente de quaisquer considerações que se possam fazer sobre a atuação das autoridades daquele país— ilustra bem as pressões exógenas a que estão sujeitos, no mundo contemporâneo, os gestores das economias nacionais.
Até há pouco mais de um mês, o México era considerado pelos meios de negócios dos países desenvolvidos, particularmente dos Estados Unidos, como o paradigma para a América Latina. Era o seu "enfant gâté".
Em 20 de dezembro último, porém, premido por um déficit em contas correntes da ordem de 8% do PIB, o qual era alimentado por uma moeda supervalorizada e um saldo comercial consequentemente negativo, o recém-empossado governo mexicano resolveu desvalorizar o peso em 13%.
Seguiu-se uma corrida para o dólar e uma fuga do capital estrangeiro de curto prazo, que vinha sendo utilizado para cobrir o déficit externo. Tornou-se necessário deixar flutuar a moeda nacional, que entrou em queda livre.
Do ponto de vista brasileiro, o importante é a reação internacional aos acontecimentos no México. Nos Estados Unidos, parceiro daquele país no Nafta e, em certo sentido, seu patrono, o governo tratou de organizar uma operação internacional de resgate do peso, usando sua influência junto aos europeus e às instituições financeiras internacionais.
De modo geral, a Europa, cautelosa e menos afetada, participou de forma modesta. Os bancos particulares aderiram à operação de salvamento na razão da sua exposição ao risco mexicano.
Enquanto isto, a primeira reação dos administradores de fundos internacionais, confrontados com os prejuízos decorrentes da queda do peso e com os desembolsos de fortes resgates, foi tratar de maneira idêntica os distintos mercados emergentes e vender onde era possível realizar lucros, a fim de cobrir as perdas ligadas às medidas adotadas pelo governo Zedillo.
A consequência inevitável e imediata nestes últimos mercados —países em desenvolvimento sem capacidade de influir sobre o desenrolar dos acontecimentos mexicanos— foi uma violenta queda nas respectivas bolsas e, no caso dos latino-americanos, nas cotações de seus títulos de dívida externa.
Mesmo mercados emergentes distantes e aparentemente sem qualquer ligação com o ocorrido no México, como Cingapura e Hong Kong, sofreram quedas.
As autoridades econômicas brasileiras têm tratado de mostrar que a nossa situação atual é muito diferente da mexicana e também do ocorrido em 1982, quando a declaração de insolvência do México desencadeou a crise da dívida externa na América Latina.
Em termos de um perigo imediato, as afirmativas oficiais são incontestáveis. A situação cambial do país —saldo comercial positivo, pequeno déficit em contas correntes e amplas reservas— é folgada, quase como se nos tivéssemos deliberadamente preparado para a hipótese de uma crise.
Há quem argumente que poderíamos reduzir o nosso saldo comercial a US$ 4 ou US$ 5 bilhões, o que nos levaria a um déficit em contas correntes considerado ainda tranquilamente financiável. Não cabe examinar aqui por quanto tempo tal situação hipotética seria sustentável.
Em qualquer hipótese, é algo bem distinto da situação de 1982, quando nosso saldo negativo em contas correntes se elevava a 6,5% do PIB, equivalentes hoje a uns US$ 33 bilhões. Tudo isto apenas significa, porém, que teremos tempo suficiente para tomar as medidas corretivas que se tornem necessárias.
Dizer que o Brasil tem uma situação tranquila é, portanto, menos a constatação de um fato do que uma declaração implícita de confiança na capacidade da equipe econômica de —dado o espaço de manobra assegurado pela nossa posição cambial— adaptar suas políticas a novas circunstâncias, sem deixar que as coisas se deteriorem como no caso mexicano.
E as circunstâncias parecem estar mudando. De acordo com dados ainda preliminares no momento em que escrevo, o aumento das importações levou nossa balança comercial em novembro e dezembro a um déficit, para o bimestre, próximo dos US$ 1,5 bilhões.
Se, descontados fatores sazonais, tal tendência persistir, poderemos ter um déficit comercial em 1995, o que nos levaria a um saldo negativo em contas correntes muito superior ao acima mencionado como tolerável.
E o problema não é apenas cambial. Ainda precisamos aumentar a poupança interna para dependermos menos da complementação externa. Mas há a clara possibilidade de uma diminuição global dos investimentos estrangeiros, tornados mais seletivos, nos mercados emergentes.
Neste caso, só uma economia brasileira percebida pelo investidor estrangeiro como dinâmica e sadia poderia, conquistando fatia maior de um bolo menor, evitar talvez uma perda absoluta.
Nossa situação cambial presente é, pois, importante, mas o fundamental será a nossa capacidade de fazer adaptações de curso, na medida em que elas se revelem necessárias.
O exemplo mexicano demonstrou que ir além do compatível com a boa gestão das contas externas e com a adequada mobilização da poupança interna destrói inclusive as bases do tão ambicionado apoio externo.
O investidor internacional, fiel apenas ao ganho, é volúvel por natureza, capaz de movimentar instantaneamente seu capital através do mundo, seja em busca de maiores lucros, seja para escapar a um eventual prejuízo.
Pronto a endeusar os dirigentes que seguem as doutrinas econômicas por ele pregadas, é ainda mais rápido em retirar-lhes o respaldo sempre condicional dos seus investimentos, deixando os deuses de ontem na incômoda situação de meros ídolos de pés de barro.

Texto Anterior: Canal reforçado; Saldo da viagem; Interesse específico; Afogado em números; Economia insular; No placê
Próximo Texto: Produção de máquinas cresce 14% em 94
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.