São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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Carta revela contradições de Chacrinha

ARMANDO ANTENORE
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Em vida, o pernambucano José Abelardo Barbosa de Medeiros nunca se desvencilhou totalmente da fama de bajular poderosos.
Era comum, nos anos 80, jornais estamparem manchetes do tipo "Chacrinha apóia Paulo Maluf contra Tancredo Neves" ou "Presidente Sarney convida o Velho Guerreiro para jantar".
Surge agora uma carta que, por um lado, relativiza a faceta "reacionária" do comunicador. E, por outro, a reforça.
No final das contas, sobra o paradoxo —a confirmação da frase que o apresentador costumava disparar quando lhe pediam um retrato de si próprio: "Eu vim para confundir, não para explicar".
A carta, de 1980, tem como destinatário Octaciano Nogueira, então presidente do Conselho Superior de Censura.
A viúva do Velho Guerreiro, Florinda Barbosa, resolveu anexá-la à biografia do marido, que está escrevendo há três meses e que pretende publicar até o fim do ano. Na semana passada, mostrou o documento à Folha.
Em quatro páginas e meia datilografadas, o apresentador protesta contra as pressões que censores paulistas exerciam sobre os programas "Buzina e Discoteca do Chacrinha", na Bandeirantes.
Surpreende o tom indignado, quase áspero, da correspondência —principalmente quando se considera que, entre 1979 e 1985, Abelardo Barbosa esmerou-se por afagar o governo Figueiredo em público. "O João tem o povo no coração", dizia diante das câmeras, enquanto comandava as massas.
Por trás das câmeras, a história revelava-se um pouco diferente. Censores implicavam com as roupas "imorais" das chacretes e com a insistência de Chacrinha em focalizar "detalhes anatômicos" das moças. Também condenavam alguns bordões, como o célebre "Vocês querem mandioca?"
A perseguição era tanta que, em julho de 1980, o apresentador recebeu ordem de prisão nos bastidores da Bandeirantes por desacatar uma determinação da Censura.
Foi conduzido à polícia ainda com as roupas que usara no programa. Fichado como "criminoso comum", deu um depoimento de cinco horas. Só o liberaram depois que pagou fiança de Cr$ 10 mil.
Na carta, Chacrinha relata este e outros episódios. Classifica-os de "abusivos" e de "intoleráveis" em "qualquer sociedade civilizada". Explica que lhe cerceavam a "liberdade de criação" e que, não raro, lhe abalavam a saúde. Conta que precisou "tomar oxigênio" nos camarins e na delegacia quando o prenderam.
Aponta ainda atos contraditórios dos censores. Por exemplo, proibir uma roupa que as chacretes já haviam usado quatro vezes.
Nos dois últimos parágrafos da correspondência, porém, surge o paradoxo. Em vez de pedir o fim da Censura, como era de se esperar pelo tom da carta, Chacrinha dispõe-se a respeitá-la, guardadas as devidas proporções.
Escreve o Velho Guerreiro: "(...) quero solicitar a Vs.Sas. providências no sentido que a censura se exercite de modo igualitário para todos (...). Certo que estarei contribuindo (...) para que se melhorem os critérios censórios do país (...), reitero minha disposição de acatar tudo o que for exigido pela Censura, desde que isso seja feito de maneira digna e decente.'

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