São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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Horóscopo é somente uma questão de gosto

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nasci sob o signo de Capricórnio, no mesmo dia em que nasceram o goleiro Zetti, o escritor José Américo de Almeida, o personagem Jacinto de Tormas, de Eça de Queiroz, e uma prima minha —o que explica o fato de eu ter esse ponto em comum com todos eles.
Mas agora leio que uma certa Jacqueline Mitton, astrônoma inglesa, descobriu a existência de um novo signo, Esculápio. Isso muda tudo.
As fatias do bolo zodiacal tornaram-se mais estreitas. E eu, como se fosse uma uva-passa, abandono o sólido e fofo terreno de Capricórnio para entrar timidamente na aventura que é ser de Sagitário!
Mudanças de signo não deviam vir assim, bruscamente, pelo jornal. Precisariam ser longamente preparadas, com auxílio de algum terapeuta junguiano.
Se não, vejamos. Abro o Anuário Astrológico de 1995 (Evolução Editorial), nas páginas dedicadas a Capricórnio. Características: perseverança, firmeza, integridade de caráter. Tendência ao isolamento. Ambicioso. Não é muito atraente na infância e na juventude. É na maturidade (êba) que vai mostrando o quanto é belo (a). Oculta um orgulho que supera com a aparente humildade. Contribui para a valorização da natureza. Impõe limitações à vida sexual, aos sentimentos e emoções. Além disso, segundo outro manual astrológico, curte jardinagem e cerâmica.
Não se trata, convenhamos, de um signo muito interessante. É um signo de chatos.
Graças a Jacqueline Mitton, entretanto, posso reconhecer-me em outro signo, mais agitado, o de Sagitário. Otimista, jovial e alegre, diz o livro. Gosta de alimentar-se com frutas. Falta-lhe capacidade de organização.
É um aventureiro no amor. Segundo "Astrologia e Você" (ed. Nova Cultural) destaca-se como conferencista e professor. Trabalha em equipe. Mente fervilhante.
Devo decidir-me, então: jardineiro (Capricórnio) ou conferencista (Sagitário)? Caráter íntegro, fiel no casamento (Capricórnio), ou aventureiro, desinibido (Sagitário)?
Mesmo a fatal determinação dos astros permite, graças a Jacqueline Mitton, uma escolha. É claro que há aspectos em que me reconheço sagitariano. Em outros, sou fiel a Capricórnio. Como poderia acontecer com qualquer outro signo.
Depois, há a questão do ascendente, relativizando os decretos caracterológicos de Capricórnio, ou Sagitário, não sei mais. Nasci ao meio-dia. Ou será que foi meio-dia e cinco? Ou cinco para as onze? Meu ascendente depende disso —e preciso saber se no ano em que nasci vigorava o horário de verão.
Felizmente, não nasci na Rússia antes de 1917, onde o calendário era outro —a Revolução de Outubro ocorreu, na realidade em novembro.
Como as coisas são complicadas! A uniformização das datas e dos calendários é relativamente recente. Na Idade Média, cada país, cada região, contava os anos de modo diverso.
Mas imagine-se uma pessoa que não se perturbe com estas considerações. "Acredita" em horóscopo. Acredita "em tudo", aliás: anjos, orixás, discos voadores, florais de Bach, reencarnação. O tipo da pessoa "aberta".
Bem, aí começam os problemas. Essa pessoa é, digamos, impulsiva e ciumenta. Isto se deve ao fato de ela ser, por exemplo, do signo de Gêmeos. Mas suponha-se que o seu orixá seja responsável pela tolerância; que sua contabilidade, na numerologia, responda por uma notável ausência de possessividade no amor. Mas essa pessoa é, na verdade, uma reencarnação de Cleópatra. E ao nascer o duende dos ciumentos apareceu.
Como ficamos, diante de tantas determinações? A mãe dessa pessoa não rezou para Santa Bárbara durante a gravidez. Tomou muito chá de camomila. As cartas do tarô disseram isto e aquilo. O I-Ching disse coisas parecidas e outras coisas diferentes também.
Qual o resultado? Surgiu uma personalidade nova no mundo, complexa, contraditória como todas as outras —o horóscopo explica alguns traços, o I-Ching outros, a umbanda e a reencarnação mais alguns.
O que vem a dar em não acreditar em coisa alguma. A não ser que o sujeito seja um fanático, por exemplo, do horóscopo. E aí terá de dizer: não; o determinante para mim não foi o fato de eu ser uma reencarnação de Júlio César, mas o fato de eu ter nascido sob tal signo, na conjunção exata entre Urano e Saturno. O fato de eu ser encarnação de alguém é totalmente irrelevante.
Ou seja: confiante no horóscopo, terá de ser cético quanto à reencarnação ou ao tarô, "meras superstições". Ou então será aberto a todas as superstições, reduzindo-se, por assim dizer, a uma imobilidade cognitiva, a uma indeterminação total e eclética quanto ao seu destino. Não é fácil ser totalmente irracional.
Claro que horóscopo, tarô, reencarnação e orixás correspondem a uma necessidade humana: a de conhecer-se a si mesmo e a de tipologizar, em caracteres próximos ou distantes, o resto da humanidade. No século 19, tentou-se sistematizar o que seria a "caracterologia": tipos "sanguíneos", "fleumáticos", "nervosos". Uma tentativa paramedicinal de diagnosticar diferentes tipos de personalidade.
Os traços psicológicos de cada um, sua disposição para o movimento ou o repouso, para o ciúme ou para a credulidade, para a oratória ou a jardinagem, são ainda hoje pouco explicados. A ciência terá muito a dizer, no próximo século, a respeito das causas materiais que fazem cada pessoa "ser como ela é". Enquanto isso, a paixão classificatória, o desejo de ordenar o mundo, contenta-se com o mito: horóscopos, orixás, reencarnações.
O advento de um novo signo, Esculápio, não muda nada. Torna as coisas um pouco mais interessantes, talvez. Liberou-me de Capricórnio. Mas eu nunca acreditei que era de Capricórnio. Posso perfeitamente acreditar que sou uma criança adotada, secretamente nascida sob o signo de Escorpião. E não me venham com dúvidas, ceticismos, ciência, racionalidade. estou convicto: sou de Escorpião. Respeitem minha crença.

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