São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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No largo da Batata, provei doce de jaracatiá

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Enquanto espero um ita para o Norte, o próprio Norte, o Nordeste e o Sudeste, de cambulhada, me alcançaram no largo da Batata, em Pinheiros. Ingênua dos seus tesouros, atravessei o largo para pegar um táxi e caí de boca na safra do pequi espalhada no chão, aos montes.
Não reconheci, de imediato. São como uns abacates pequenos, casca dura, amarfanhados. Mas um, aberto ao meio, mostrava sua semente da cor de gema de ovo caipira ou de açafrão. O cheiro é inconfundível, entre manga e bicho no cio. Comprei uns 30, mais ou menos.
"Umbu, umbu para umbuzada, um real o saco!" "Tira a semente, bate com leite. Fica uma coalhada, uma vitamina e tanto, dona." Já dentro do táxi, arrematei o fundo de uma saca de feijão de corda.
Cheguei em casa encalorada, carregada de pacotes, já arrependida da voracidade compulsiva.
A empregada nova, novíssima de duas semanas, vinda de Capelinha, Minas Gerais, me encarou com a mesma serenidade com que enfrentou o aspirador. Para ela, nada mais normal do que aquela compra. Umbu, não conhecia, mas veio para São Paulo a fim do desconhecido e um arroz de pequi era a segurança, Capelinha de volta, o mato, o ribeirão.
Foi cortando os frutos ao meio, lavando os caroços comestíveis, e pondo numa panela para refogar junto com o arroz. Parece que notou meu respeito curioso e soltou uns causos.
"Pequi dá no campo. Eu adorava catar, mas não podia ir sempre porque ficava com as pernas todas cheias de 'broto' esfoladas de capim navalha. Tem uma mulher lá, que agora, a essa hora, deve tá maluca pegando pequi prá fazer óleo. Mas ela pega é muito, carga mesmo, e vai juntando. Aí cozinha na água e depois escorre. Põe aquele pequi no pilão e vai socando devagar, com jeito, prá soltar a massa, sem romper o caroço espinhento por dentro. Aí, ela pega a massa e vai pros tachos, no fogão de lenha. Fica lá até secar a água todinha. Só sobra o óleo, ela põe nos vidro e vende. A gente come de molho, em cima do feijão, do arroz, de um ensopadinho de abóbora..."
A esta altura o arroz dela estava solto, amarelado, com as frutinhas enterradas nele. Perguntei se era para tirar os pequis ou deixar. "É sim, é não. Se quiser roer os caroços não tira, não."
O feijão foi debulhado e cozido em 20 minutos e refogado na manteiga, com um pouco de farinha de mandioca. "Xi! Este feijão é bom, mas difícil de colher. Plantam ele na mesma cova do milho e naquele calorão andar pelo milharal catando as vagens é fogo."
O almoço foi regado a refresco de umbu, que coalhada era demais. A família comportou-se bem. Gostou do feijão, achou o umbu com cheiro de mato e o pequi foi palidamente classificado como um gosto a ser adquirido. Posso concordar, mas eu amei na hora em que provei pela primeira vez. Foi um gosto adquirido à primeira prova. Acho que depois de adquirido é melhor que o açafrão. Vou comprar toda a safra de pequi do largo da Batata, como a maluca de Capelinha, e colocar em vidros de óleo para preservar.
Nesse afã de "brasilidad" saí lucrando. Ganhei seis mangas ubá e quatro mangas coquinho. Provei um doce de jaracatiá, doce de mamãozinho do mato, gostoso para comer às colheradas com queijo fresco. O povo reclama quando esse doce não aparece na Folia de Reis. Isso é, reclamam lá em São Sebastião do Paraíso, de onde o doce veio. No resto do mundo, não sei...

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