São Paulo, segunda-feira, 6 de fevereiro de 1995
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Faltam livros para se entender o governo

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O que se deve ler para entender o governo Fernando Henrique Cardoso? A Folha fez essa pergunta a alguns dos mais importantes intelectuais do país e as respostas não foram muito animadoras.
Para o filósofo José Arthur Giannotti, tido como amigo e aliado do presidente, "não existe uma bibliografia que, por si só, habilite alguém a entender o governo".
Segundo ele, há uma série de fatores (sociais, econômicos, políticos) que não estão nos livros e que devem ser levados em conta.
Passemos então a um intelectual da oposição, o economista Francisco de Oliveira, do mesmo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) de Giannotti.
"Não há muito o que ler, pois o que o próprio Fernando Henrique produziu já não vale para sua postura atual", diz.
Para Oliveira, o raciocínio se aplica também à equipe econômica do governo. "Os ensaios que o José Serra (ministro do Planejamento) escreveu nos anos 70, sobre estagnação, crescimento e ciclo, que eram textos claramente filiados à linha da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), não têm nada a ver com a política econômica atual, que está mais para o monetarismo."
Oliveira diz ainda que os tucanos do governo são "social-democratas esquisitos, sem ligação com o movimento operário e sem nada a ver nem com a social-democracia clássica, nem com a do pós-guerra". De novo, nem uma mísera indicação bibliográfica.
Voltemos ao campo mais simpático ao presidente. O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, professor da Unicamp, diz estar mais preocupado com as limitações impostas ao governo pelo ambiente em que este se instala.
Ele acaba de escrever um ensaio sobre o assunto: "Eleições, Fragmentação Partidária e Governabilidade", a ser publicado no próximo número da revista do Cebrap.
Para Rodrigues, a extrema fragmentação dos partidos (18 ao todo, "oito relevantes") "cria um problema enorme para governar, impondo uma posição de moderação, de fuga dos extremos".
Mas ele não se furta a indicar, enfim, um livro: "Estado, Mercado e Democracia", coletânea de ensaios organizada em 93 pela cientista política Lourdes Sola.
Entre os textos do livro, há um do próprio presidente: "Estado, Mercado, Democracia: Existe uma Perspectiva Latino-Americana?". (Se é o próprio FHC que pergunta, quem somos nós para responder?)
O historiador Bóris Fausto, autor de uma recente e panorâmica "História do Brasil", apóia a indicação de Rodrigues, e acrescenta outra: "A Construção da Democracia", reunião de ensaios de FHC publicada em 93.
Para a cientista política da USP Maria Victoria Benevides, entretanto, a ponte entre os textos de FHC e as ações do próprio desmoronou em algum lugar do passado.
Ela indica um livro fundamental para entender o Estado patrimonialista brasileiro: "Os Donos do Poder", de Raymundo Faoro.
"Ali está um retrato dos problemas que Fernando Henrique conhece muito bem, mas que não parece estar muito disposto a enfrentar, a julgar pelas alianças que tem feito", afirma a cientista política.
Enfim, para entender o governo FHC talvez os leitores tenham de esperar até que ele tenha virado história, domesticada e apaziaguada nas estantes de uma biblioteca.

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