São Paulo, segunda-feira, 6 de fevereiro de 1995
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TSE quer criar comissão para sugerir reforma eleitoral

OLÍMPIO CRUZ NETO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Carlos Velloso, deflagra esta semana ofensiva para incluir na pauta de emendas à Constituição a reformulação da legislação eleitoral e partidária.
Ainda este mês, Velloso pretende criar uma comissão de 30 notáveis —integrada por juristas, cientistas políticos e parlamentares— para discutir quatro temas da política nacional.
O presidente do TSE defende a informatização das eleições, a adoção do voto distrital puro, a elaboração de lei eleitoral definitiva e a reformulação partidária.
Voto distrital puro é o sistema em que cada Estado é subdividido em distritos, nos quais o eleitor vota em uma de várias listas, apresentadas pelos partidos, de candidatos a deputado. Os integrantes da lista com mais votos passam a ser os representantes daquele distrito no Congresso.
O voto distrital misto —tema de projeto apresentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso quando era senador— permitiria que um grupo de parlamentares fosse eleito por distrito e outro, pelo voto proporcional.
Em vigor atualmente, o voto proporcional é o sistema no qual o total de votos dado a um partido define o número de parlamentares eleitos por ele. Os mais votados de cada legenda têm assegurada uma vaga na Câmara.
Velloso discute o tema nos próximos dias com o presidente Fernando Henrique Cardoso, o vice Marco Maciel e outros líderes políticos.
Também ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Velloso não quer deixar para o próximo semestre a discussão das reformas políticas, de olho nas eleições municipais de 96.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha.

Folha — O sr. vai conversar com o presidente Fernando Henrique e diversos líderes políticos esta semana. Quais propostas de reforma da Constituição pretende abordar?
Carlos Velloso — Já estive com o presidente Fernando Henrique Cardoso logo após sua eleição, no final de novembro. Naquela oportunidade, havia conversado com o presidente a respeito da reformulação da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, que está desatualizada.
A Constituição de 1988 adotou, em relação aos partidos, uma nova postura. Ela concedeu autonomia às agremiações partidárias. A lei orgânica precisa ser ajustada à Constituição. Ele concordou com essa abordagem e prometeu apoio.
Folha — O sr. quer montar uma comissão de notáveis para discutir as reformas na legislação eleitoral e partidária. O que precisa ser mudado?
Velloso — Quero tratar especificamente de quatro grandes temas: informatização das eleições, voto distrital, lei eleitoral definitiva e Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
O TSE não se arroga a faculdade de fazer isso sozinho, absolutamente. Temos muita gente boa que pode ser ouvida e que pode colaborar.
Essa grande comissão seria formada por 30 pessoas, incluindo cientistas políticos e os melhores juristas do país.
O meu intuito é trabalhar em conjunto com o Congresso Nacional e com o chefe do Poder Executivo. Os poderes agindo independentemente, porém de forma harmônica, numa colaboração que pode ser proveitosa para a sociedade brasileira.
Folha — O que o sr. pensa do atual quadro partidário? Não existem partidos demais?
Velloso — É verdade que existe esse esfarinhamento das agremiações partidárias. Esse número excessivo de partidos sem legitimidade em termos nacionais precisa ser revisto, precisa ser examinado com critério.
Será que é possível termos 40 partidos políticos? Nós que há pouco mais de dez anos só tínhamos dois partidos? Quer dizer, é tudo ou nada, é oito ou 80?
A virtude não está nos extremos. É claro que uma reformulação da Lei Orgânica dos Partidos Políticos tem de abordar esse tema.
Folha — E a fidelidade partidária?
Velloso — É outro tema que penso que é preciso que seja abordado. É preciso um mínimo de fidelidade partidária para que os partidos possam exercer a democracia representativa.
Folha — Ministro, o sr. defende o voto distrital, um tema polêmico.
Velloso — É um tema polêmico que precisa ser discutido novamente. O próprio presidente Fernando Henrique, quando senador, apresentou projeto para a adoção do voto distrital misto.
Particularmente, defendo o voto distrital puro, mas estou certo que, pela nossa formação histórica, é muito difícil adotá-lo.
Até mesmo o abuso do poder de autoridade seria menor.
Agora, com este sistema representativo... Essa história de que o parlamento é o retrato do nosso povo, é o retrato da sociedade brasileira, não é verdadeira.
Folha — A intenção é discutir tudo agora para que isso seja aplicado nas eleições municipais do próximo ano?
Velloso — É preciso que tudo isso seja feito até setembro, porque a Constituição estabelece, no artigo 16, que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data da sua vigência".
Folha — Por que essa preocupação com uma nova lei eleitoral, se a atual foi aprovada há pouco tempo?
Velloso — A preocupação está justamente aí. O sistema atual é praticamente de uma lei casuística para cada eleição. Isso, naturalmente, não é bom.
Os tribunais constroem uma jurisprudência em torno da lei. Daí em um ano temos outra lei casuística. Então, começa tudo novamente, da estaca zero. Uma lei definitiva seria o ideal.
Folha — Isso incluiria a reformulação do Código Eleitoral?
Velloso — Podemos também fazer a reformulação do Código Eleitoral, que é de 1965. Há coisas boas, que podem ser preservadas. Mas ele precisa ser ajustado ao Brasil.
Este país é diferente —graças a Deus— do Brasil de 20 anos atrás. Acho que o Brasil, realmente, de uns anos para cá, tem sido sacudido, mas as instituições têm sabido resistir a essas sacudidelas, têm se aperfeiçoado.
É o Brasil pedindo licença para ingressar no concerto dos países de primeiro mundo. Essa é a verdade.
Folha — Vai ser discutida nesse fórum a questão da obrigatoriedade do voto? Não seria possível adotar o voto facultativo no Brasil?
Velloso — Temos que raciocinar sempre tendo em vista a realidade brasileira. Há um jurista norte-americano, já falecido, que dizia que uma página de história costuma valer mais do que muitas páginas de Direito.
Sou muito impressionado com isso, com a realidade, não sei raciocinar a não ser me colocando na realidade e a realidade brasileira, ao que me parece, não admite o voto facultativo, que concorreria para a criação da instituição de currais eleitorais.
Não teríamos uma eleição mais legítima do que aquela que se faz com o voto obrigatório.
Folha — E a questão do financiamento das campanhas eleitorais? O bônus eleitoral na última eleição, embora tenha sido uma iniciativa pioneira, não se mostrou eficaz.
Velloso — Por mais que se diga que os bônus não resolveram o problema em definitivo, eu diria que tivemos um grande aperfeiçoamento.
As prestações de contas ficaram transparentes e a imprensa divulgou imediatamente quem doou.
Isso ficou à disposição da sociedade brasileira. Estamos no caminho certo. É claro que o sistema de bônus não resolveu o problema, mas concorreu para que se tenha algo mais transparente.
Folha — Esse comissão poderia estudar outras propostas de emendas à Constituição como, por exemplo, o controle externo do Judiciário?
Velloso — As propostas que serão levantadas pela comissão estarão centralizadas naquilo que se refere à legislação eleitoral e partidária.
Mas não tenho nenhum problema em discutir o controle do Judiciário, até porque tenho uma proposta sobre isso.
Folha - Como funcionaria?
Velloso - Seria uma espécie de conselho judiciário, presidido por um ministro do Supremo Tribunal Federal e integrado por membros do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e demais juízes de tribunais federais e regionais, com total autonomia para fazer sugestões e propor, inclusive, alterações da legislação ao Congresso Nacional.

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