São Paulo, segunda-feira, 6 de fevereiro de 1995
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Vigilante de empresas refaz trajeto de cigarros na mídia

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

"O cigarro testado para a garganta"(de uma campanha da Philip Morris).
"Não provoca tosse nem se fumar um caminhão"(publicidade da marca Old Gold).
Seria inimaginável que uma marca de cigarro veiculasse atualmente slogans publicitários com esse teor.
Sob ataque cerrado das brigadas antifumo e da abundância de provas científicas, os fabricantes passaram à defensiva e poucos ousam questionar a extensão dos danos do vício à saúde.
Mas no início dos anos 40 as companhias de tabaco ainda tinham fôlego para promover uma maciça blitz de marketing contra uma pioneira cruzada antifumo.
"Mais médicos fumam Camels do que qualquer outra marca", dizia um slogan. "Pegue um Lucky em vez de uma bala", apelava outro, do Lucky Strike, que tentava quebrar o tabu do fumo entre as mulheres.
Graças às campanhas, que contaram com a colaboração do cinema de Hollywood, o consumo de cigarros nos EUA elevou-se para 267 bilhões em 1945 —crescimento de 124% em relação a 1930.
"O objetivo era incutir na mente dos americanos que o cigarro não somente não era prejudicial à saúde, mas o inverso: que contribuía de certa forma para a saúde", relata Russel Mokhiber em "Crimes Corporativos", que chega às prateleiras no próximo mês, pela Scritta Editorial.
Advogado baseado em Washington e editor de uma newsletter homônima do livro, Mokhiber pertence a uma escola de vigilantes de empresas, inaugurada por Ralph Nader nos anos 70.
Mokhiber esmiuça os ardis utilizados pelo poderoso lobby dos fabricantes, a quem responsabiliza pelo atraso na implantação da legislação antifumo.
"As provas ligando o câncer de pulmão ao cigarro já eram irrefutáveis no início dos anos 50", diz o autor.
Nesse período foi intensificada a publicação de artigos esclarecedores sobre os males do fumo, sobretudo na revista "Seleções de Readers Digest".
Somente na década seguinte advertências sobre o perigo para a saúde passaram a ser impressas nos maços e mensagens de alerta na TV se tornaram obrigatórias.
Os telespectadores norte-americanos foram bombardeados com uma mensagem antifumo para 4,4 comerciais das marcas.
Com o banimento da propaganda na TV e no rádio, em 1970, a contrapropaganda também desapareceu —fato que, segundo Mokhiber, resultou em vitória da indústria.
O autor baseia-se no testemunho da Sociedade Americana contra o Câncer ao afirmar que o fim das mensagens antifumo contribuiu para que a curva de consumo per capita voltasse a empinar.
Gordas verbas destinadas aos meios eletrônicos foram transferidas às revistas. Entre 1970 e 79 esses veículos receberam US$ 800 milhões em anúncios. Não sem consequências.
Estudo conduzido pela "Columbia Journalism Review", citado em "Crimes Corporativos", evidenciou não ter sido publicadonas principais revistas que aceitaram propaganda de cigarros qualquer artigo abrangente sobre os perigos do fumo.
O livro relaciona casos de textos encomendados mas jamais publicados e um episódio de demissão de jornalista.
"Estranhos companheiros de cama, os cigarros e jazz", ironizou o crítico Paul Maccabee, na revista "Twin Cities Reader", antes de perder o emprego."Duke Ellington morreu de câncer pulmonar em 1974".
Para o autor, o lobby liderado pelo Tobacco Institute, continua ativo, emperrando a difusão de campanhas antifumo.
As medidas cogitadas pelo Ministério da Saúde para incrementar as advertências aos fumantes tornam "Crimes Corporativos" uma leitura imprescindível no país.

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