São Paulo, segunda-feira, 6 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Beck está de volta com trabalho acústico

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

O cantor e compositor norte-americano Beck, 23, move-se com desenvoltura por dois universos diferentes. "One Foot in the Grave", seu segundo disco, segue caminho oposto ao da estréia festejada por crítica e público em "Mellow Gold".
A mudança de direção é premeditada. Ao assinar contrato com a gigante Geffen em 1994, para lançar o primeiro disco (antes editado com tiragem de 500 exemplares pela Bongload, em março de 1993) pediu a inclusão de uma cláusula especial: a liberdade de continuar lançando discos independentes.
"One Foot in the Grave", editado em outubro de 1994, é o primeiro fruto da tal cláusula, lançado pela minúscula gravadora K. Calvin Johnson, o proprietário, faz parte da banda de Beck no disco.
O novo trabalho diverge conceitualmente do anterior. Substitui o mix de tecnologias e gêneros musicais de "Mellow Gold" por um minimalismo acústico de voz, violão, baixo e bateria. Folks, blues e countries básicos substituem a miscelânea anterior, imediatamente rotulada de "folk rap".
Louvores à parte pela inquietude, "Mellow Gold" era melhor. A assimilação equalizada de referências as mais variadas era o trunfo primeiro do disco, apontando caminhos para o futuro do pop.
Aqui, Beck prefere a fidelidade a estilos puros que legaram artistas preciosos como Neil Young, J. J. Cale e o pioneiro do blues, Robert Johnson, só para citar alguns exemplos.
Baladas soturnas em registro semicountry perpassam o disco, com picos em "Forcefield", "Fourteen Rivers Fourteen Bloods" e "Girl Dreams".
Paródia e homenagem se interpenetram, como em "Atmosphere Conditions", que remete aos vocais graves de Leonard Cohen. Na capacidade de equilibrar paródia e reverência evidencia-se a inteligência de Beck Hansen (talvez não por acaso filho de uma funcionária da Factory de Andy Warhol, que forjou nos anos 60 o Velvet Underground).
A faixa "Asshole" flerta mais de perto com o pop dos anos 90. A contaminação vem com os sons e vocais distorcidos de "Burnt Orange Peel" e "Ziplock Bag" e os latidos de cachorros sintetizados de "Painted Eyelids", mas não chega perto da orgia de "Mellow Gold".
A diferença dos dois trabalhos não significa, no entanto, decadência precoce. Revela, ao contrário, versatilidade e espontaneidade.
Os primeiros trabalhos de Beck criam várias expectativas: a tendência ao camaleônico (ausente desde David Bowie), a alta produtividade (foi lançado em dezembro um terceiro disco, "Stereopathetic Soulmanure", contendo gravações de 1988 a 1993), a introdução da inteligência no pop.
Talvez seja cedo para tanta expectativa, mas, no cenário pop atual, Beck parece ser o primeiro artista realmente capaz de entender seu tempo, desde o advento de Prince e Madonna.
Ao público brasileiro, resta a importação. Apenas "Mellow Gold" foi lançado por aqui.

Disco: One Foot in the Grave
Autor: Beck
Lançamento: K (importado)
Onde encomendar: Studio Tan (al. Joaquim Eugênio de Lima, 1.220, tel. 011/887-6807, Jardins, zona sul)

Texto Anterior: Cabrera Infante ataca Gabriel Garcia Márquez
Próximo Texto: Gladys Knight volta com retrato pálido de passado na Motown
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.