São Paulo, segunda-feira, 6 de fevereiro de 1995
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Itamar Franco: dramas sem glória

FLORESTAN FERNANDES

O sr. Itamar Franco, como vice de Fernando Collor de Mello, chegou ao poder em um momento traumático. Para o seu temperamento tímido e retraído, deve ter sido uma dolorosa prova ficar exposto à contaminação generalizada, deixada pelo parceiro com o qual subiu ao Planalto. A lama respingou por todos os lados. Só a boa vontade que prevaleceu o poupou das desconfianças que pairavam no ar.
Substituiu a "República de Alagoas" pelo "grupo de Juiz de Fora", uma espécie de pára-raios plurifuncional, o que teve repercussões negativas. Constituía uma demonstração pública de insegurança, fragilidade e favoritismo.
Não se queria outra experiência autocrática. Mas o presidente é o chefe de governo e do Estado. Dentro da Constituição, comanda, não é conduzido por luminares íntimos.
Recebeu o Estado em ruínas. A loucura subira à cabeça de Collor: através de uma sucessão de medidas provisórias desmantelou, de alto a baixo, o aparelho governamental. O Congresso poderia ter barrado suas pretensões. Ele, porém, contou com apoio conservador suficiente para aprová-las recorrendo a uma enxurrada de emendas. O vencedor de Lula merecia tudo o que quisesse!
Paralelamente ao caos administrativo, Collor instalou no governo uma máquina de privatização do público e de pilhagem da riqueza da nação.
Por dentro do quadro institucional devastado, Itamar Franco —que não tivera a coragem da indignação e da denúncia cívicas— assumiu o poder sob tensão e uma postura de ambiguidade.
Dada a estrutura neurótica de sua personalidade, agira com cautela e sob o complexo, para ele torturante, de substituto do "outro". Sujeitou-se à hegemonia militar: as Forças Armadas escaparam ilesas do terremoto que atingiu as instituições.
Saído do Senado, não soube usá-lo e colocou em prática artimanhas "mineiras", que só são possíveis com um Parlamento alquebrado. Aproveitou de várias formas as reincidentes disponibilidades do Judiciário para a "defesa da ordem". Só não fez um bom governo.
Isso não estava ao seu alcance. A herança recebida e a sua própria instabilidade emocional tornaram-no desconfiado e forte competidor de ministros efêmeros. As aparências paternais de um "homem simples", todavia, conquistaram a simpatia de grande parte da população.
O fim de seu mandato não terminou em catástrofe. Fernando Henrique Cardoso, como ministro da Fazenda, não prometeu "milagres". Mas tomou medidas que pareciam encaminhadas à solução dos problemas cruciais que se agravaram dia a dia. Ele sabia serená-lo e fortalecer a "ditadura" da equipe econômica.
Itamar Franco curvou-se aos privilégios das elites, edulcorando-os com promessas "sociais-democratas". Patrocinou e legitimou uma gigantesca "conciliação pelo alto", sem precedentes em nossa história. Vitoriosa, ela progrediu avassaladora. Mas permaneceu invisível, deixando de expô-lo à execração popular. Longe do poder, disporá de tempo para meditar sobre o papel histórico de face dupla que não teve capacidade de repelir.

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