São Paulo, terça-feira, 7 de fevereiro de 1995
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Democratização do Estado e burocracia profissionalizada

OG ROBERTO DÓRIA

A década de 80 marcou o início de uma era de incertezas no cenário econômico mundial, evidenciando o esgotamento do modelo de desenvolvimento dos países latino-americanos. A crise que atinge estes países vem acompanhada de mudanças significativas no quadro político, combinando de forma desafiadora a conjuntura econômica com a eclosão dos processos de democratização.
Na sociedade brasileira, foram marcos desta ocorrência os movimentos reivindicatórios de participação política por meio do voto livre e direto e a ampliação das demandas sociais em relação ao poder público.
Desde então, tornaram-se pontos essenciais de nossa agenda pública a exigência de transformações no quadro institucional em direção à conquista de padrões apropriados ao decoro ético na política e de transparência na gestão da "res publica", além da demanda por integração social e econômica dos cidadãos em resposta ao dilema da dívida social.
A crise econômica e o processo de democratização impuseram a revisão do papel do Estado no desenvolvimento do país e a necessidade de mudanças no modelo de administração pública para adequá-la ao funcionamento de um Estado mais aberto à sociedade. A constituição de um aparato administrativo capaz de lidar com a complexidade dos processos sociais e mais próximo dos cidadãos é o grande desafio da atual década.
Este desafio implica gerar dentro do próprio Estado uma forma nova de cultura administrativa e de burocracia, reforçando-se o "ethos" democrático no espaço das organizações públicas. Esta perspectiva não se traduz, obviamente, no discurso usual das reformas que visam apenas a aplicação de novos instrumentos de controle ou a definição de modelos a serem perseguidos no incremento da eficiência e produtividade.
Além da superação de traços tradicionais da cultura político-administrativa brasileira —como o patrimonialismo e o clientelismo—, o momento atual impõe a "reinvenção" da ação administrativa por meio de uma nova consciência e parâmetros que possam fazer das organizações públicas entidades inteligentes e criativas, inclinadas a estimular e incentivar os esforços públicos e privados na solução dos problemas comunitários.
Um projeto de reforma do Estado deve incluir, portanto, além do saneamento fiscal e monetário, a transformação do setor público no sentido de criar capacidade institucional e humana para uma gestão empreendedora e participativa, e isso implica situar a questão da educação e formação dos agentes públicos, ao lado da pesquisa e dos incentivos à modernização organizacional, como fatores indispensáveis de mudança.
É essencial para o desenvolvimento da administração pública a constituição de capacidade técnica e gerencial no âmbito das organizações estatais, criando-se condições favoráveis à execução de serviços de forma eficiente e produtiva.
A profissionalização da gerência pública e a aplicação de modernas tecnologias de gestão podem garantir a qualidade e o manejo adequado dos programas prioritários do governo, viabilizando a implementação das políticas públicas.
Da mesma forma, a pesquisa permanente pode constituir importante estímulo ao questionamento dos esquemas administrativos em uso, evitando-se os riscos da rotinização e o anacronismo dos procedimentos. A inovação dirigida por um corpo funcional proficiente constitui garantia da elevação dos níveis de produtividade e da promoção integrada das grandes políticas de desenvolvimento do país, assegurando a credibilidade das organizações públicas e a condição de governabilidade.
Além das questões polêmicas —como é o caso do instituto da estabilidade e o enxugamento da máquina—, o desafio da institucionalização de uma burocracia profissionalizada dificilmente poderá ser preterido no contexto de uma política administrativa que pretenda realmente superar a situação de degradação a que foram submetidos o aparelho estatal e o funcionalismo nas décadas mais recentes.
A retomada do crescimento sócio-econômico do país e a consignação do Estado às suas funções sociais impõe ao atual governo brasileiro a necessidade de renovar o setor público, e para isso torna-se fundamental reabilitar as organizações públicas e o corpo funcional.
A adoção de medidas que possam garantir uma política de formação profissional e de reciclagem permanente da burocracia, além de padrões de remuneração dignos e de avaliação adequada dos resultados, torna-se uma estratégia imprescindível junto às iniciativas capazes de desencadear a descentralização e a desconcentração administrativa em prol do desenvolvimento de canais participativos que possam aproximar o Estado e a sociedade. A democratização do Estado dá-se "pari passu" à profissionalização de sua burocracia.
Este desafio implica a destinação e o empenho de todas as agências de capacitação do governo na ação conjugada para a reestruturação administrativa do setor público brasileiro, seguindo-se o regime programático e diretivo do Ministério da Administração Federal e de Reforma do Estado.
Neste cenário, a Fundação Escola Nacional de Administração Pública (Enap), enquanto entidade governamental vinculada àquele ministério, vê crescer sua importância como agente dinamizador do processo de mudanças e instrumento para o resgate social do exercício da função pública.
A geração de programas de profissionalização e de conhecimentos teóricos e técnicos para subsidiar a reforma do Estado e a atualização permanente do sistema administrativo é uma grande meta, à qual não se pode furtar esta instituição.
O Estado democrático exige que seus agentes tenham uma formação técnica e ética compatível com seu compromisso social, e a educação permanente certamente é a melhor política para reacender o potencial da burocracia e motivar a criatividade no setor público.
Uma burocracia profissionalizada é, inquestionavelmente, uma grande ajuda para manter a continuidade institucional do Estado e a memória administrativa do país.

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