São Paulo, quinta-feira, 9 de fevereiro de 1995
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A Justiça a serviço do crime?

CAETANO LAGRASTA NETO

É estarrecedora a notícia estampada à pág. 2-4, na Folha de S.Paulo de 02 do corrente, que informa ter a equipe do ministro Malan (Fazenda) encontrado uma brecha para escapar a eventual aprovação do empréstimo aos mexicanos. A solução é simples: ao invés de aplicar o item 5º do art. 52 da Constituição, que obriga tal submissão em qualquer operação externa de natureza financeira, basta considerar o empréstimo como "aplicação das reservas cambiais". É realmente difícil explicar esta investida contra a ordem jurídica e contra princípios elementares da dignidade e transparência que devam revestir a atividade pública.
Seria o caso, talvez, de editar-se uma única medida provisória que desconstitucionalizasse a Constituição? Afinal de contas, diante dessa hipótese, para que serviriam a Justiça e seus juízes? Apenas para atrapalhar —com sua indigesta aplicação das leis (regularmente aprovadas pelos congressistas)— os interesses maiores do Executivo. A sensação que se tem é a de que o presidente e seus ministros, graças à legitimidade alcançada nas urnas, pelo primeiro, e o intelectualismo, que a todos ilumina, não conduzirão necessariamente o país à ditadura, mas a um florescente despotismo esclarecido, apesar dos juízes.
É de todos conhecida a posição do ministro Stephanes (Previdência), também na Folha, pág. 1-6, em 1º do corrente, ao atacar a magistratura, como já o fizera o anterior se-dizente-presidente, impedido: um juiz, um médico, um professor, um jornalista etc., podem trabalhar até os 65 anos, na mesma função, sem prejuízo da saúde, da família e conscientemente servindo ao interesse público; sendo óbvio que o não poderá um petroleiro... Chega-se, assim, à solução da privatização da Previdência, em que, conforme a opinião discordante de Francisco de Oliveira, uma boa reforma, "sem o atropelo e a ânsia punitiva dos economistas oficiais, será suficiente para afastar o fantasma da falência total do sistema previdenciário. Por trás da discussão falsificada sobre a Previdência, escondem-se os apetites para privatizar o que é o quarto ou quinto maior mercado de previdência do mundo." (Folha, 1-3, 28 de janeiro do corrente).
Por fim, deparamo-nos com o mais candente crítico da Justiça, digo, do Poder Judiciário: o ministro Jobim (Justiça) —mesmo jornal, de 1º deste mês—, ao dizer que "a Constituição de 88 'tribunalizou as relações políticas', à medida que englobou questões 'típicas de programa de governo' e deixou para o Judiciário a decisão dos contenciosos surgidos dessa distorção." Pretende-se afastar o conhecimento das questões ao Judiciário e que a administração julgue a administração? —não creio. Mas o que dizer da frase deste mesmo ministro, na sua posse (Folha, 1-5, 03 de janeiro do corrente): "O Judiciário deve servir ao cidadão, receber ordens e não mandar"?
Parafraseando o saudoso Matias Arrudão: a intenção é colocar a Justiça a serviço do crime? O primeiro passo está para ser dado: intranquilizar os juízes e suas famílias, fazê-los ficar de chapéus à mão perante os gerentes de bancos, também ao se aposentarem, e amordaçar o Judiciário, dar-lhe ordens, como se não estivesse obrigado a obedecer somente a Constituição e as leis.

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