São Paulo, quinta-feira, 9 de fevereiro de 1995 |
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'Agente Secreto' atesta grandeza de Conrad
JOSÉ GERALDO COUTO
São, em geral, aventuras do corpo e do espírito em terras (ou, antes, em águas) inóspitas e longínquas. Com sua trama política ambientada na Londres do início do século —um atentado frustrado contra o observatório de Greenwich—, "O Agente Secreto" (1907) parece meio deslocado na biblioteca conradiana. Não foram poucos os preguiçosos que se apressaram em considerá-lo pejorativamente um romance de entretenimento, uma "obra menor" do autor. A chegada da obra às livrarias brasileiras, na criteriosa tradução de Laetitia Cruz de Moraes Vasconcellos (irmã de Vinicius), pode ajudar a desfazer esse equívoco. Além de manter as preocupações éticas que dão densidade aos outros grandes textos de Conrad, "O Agente Secreto" comprova a extrema habilidade narrativa do autor, seu domínio completo do ritmo, do crescendo dramático, do tom e da ironia. É um livro de entretenimento, sim, se com isso se quer dizer uma história que se lê com prazer da primeira à última página. Há um agente infiltrado num grupo anarquista para forjar um atentado espetacular e forçar o governo a adotar a linha dura. Há uma embaixada de uma potência do Leste, há espiões, especialistas em explosivos, aristocratas, detetives. Há ação e reviravoltas, drama doméstico e utopia internacional, patifaria e traição —tudo tratado com ironia e humor deliciosos. A proeza de Conrad consiste em passar da discussão ideológica ao drama miúdo, da descrição à reflexão, com uma fluência espantosa. Alternando com precisão os focos narrativos, ele muda o tom dramático a seu bel prazer, ao mesmo tempo que expõe uma rica galeria de personagens e raciona astuciosamente as informações ao leitor. As surpresas vêm menos de artifícios mirabolantes (como costuma acontecer nos best sellers vulgares) que do modo de narrar, do jogo de luz e sombra que o autor constrói em torno de seu singelo "caso" —inspirado, aliás, num acontecimento real. Para o leitor brasileiro, há ainda uma ironia adicional: a ação terrorista que está no coração do livro lembra em vários aspectos o frustrado atentado ao Riocentro —o autor explode em lugar da vítima. A mistura de humor e morbidez, de tragédia e farsa que envolve o episódio já seria testemunho suficiente da grandeza —humana e literária— de Conrad. Livro: O Agente Secreto Autor: Joseph Conrad Tradução: Laetitia Cruz de Moraes Vasconcellos Texto Anterior: Filme comercial não funciona Próximo Texto: Passagem pela Marinha marcou obra Índice |
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