São Paulo, quinta-feira, 9 de fevereiro de 1995
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México e Cuba

A ilha é laboratório vivo das virtudes e das mazelas do socialismo real
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
Não vejo como os Estados Unidos venham pedir a solidariedade das Américas para o caso mexicano, sem que suspendam o indecente bloqueio que inflingem a Cuba. Parece que é do interesse brasileiro socorrer os especuladores internacionais, quando estes se vêem em apuros por terem especulado na bolsa de países emergentes.
Sem acreditar na capacidade de fazer milagre desse dinheiro, pode ser que, bem aproveitado, possa servir a interesses nacionais. Este é um problema a ser estudado e decidido pelo governo e pelo Senado brasileiros, na base de critérios econômicos e políticos. Mas desde que critérios políticos sejam evocados, não me parece nada conveniente deixar de lado nossos interesses internacionais, e para nós é politicamente muito importante deixar Cuba livre para decidir seu próprio destino. Não é só uma questão de direito internacional, mas ainda uma questão que toca nosso próprio futuro.
Não posso deixar de lamentar a degradação por que passou, nestes últimos tempos, os ideais da revolução cubana. Se uma economia ultracentralizada se mostrou incapaz de lidar com os problemas levantados pelo funcionamento de mercados setoriais, se o socialismo de tipo soviético foi para o brejo, não se segue daí a inevitabilidade de um Estado ultraliberal.
Pelo contrário, se uma economia de mercado se mostrou como a melhor forma de gerar riqueza, não é por isso que o mercado por si só tenha sido capaz de distribuir essa riqueza de forma justa e mais equânime. Se, de um lado, o novo desenvolvimento capitalista requer presença mais ativa de mecanismos de mercado, de outro, também se evidencia que por si só o mercado não resolve os problemas de desemprego estrutural e dos bolsões de miséria que ele cria.
Desse ponto de vista, a experiência de Cuba nos é preciosa, pois ninguém pode desconhecer a revolução por que ela passou no plano da distribuição da renda, da saúde, da educação e da cultura. Ora, essa experiência foi engessada pelo bloqueio americano, já que os Estados Unidos parecem insistir na tese de que a revolução cubana foi um acontecimento diabólico a ser extirpado pela raiz.
Dessa perspectiva, a vitória dos Estados Unidos sobre Cuba não possui qualquer dimensão econômica, mas, isto sim, uma dimensão ideológica, como se a derrubada de Fidel Castro constituísse a prova material da verdade do liberalismo. Não há dúvida de que Fidel hoje é uma triste figura, passeando seu caudilhismo aprumado num uniforme de campanha. Mas não sabemos até que ponto essa caricatura também resulta do isolamento a que foi submetido.
O Brasil, como outros países periféricos onde esta ou aquela forma de social democracia foi instalada, tem interesse vital numa solução orgânica das dificuldades cubanas. A ilha é um laboratório vivo das virtudes e das mazelas do socialismo real. Muito podemos aprender com as soluções que ela precisa encontrar com uma gradual incorporação da economia de mercado, combinando uma profunda reforma do Estado totalitário. Isto, obviamente, sem desconsiderar nossa solidariedade com o povo cubano como tal.
Ora, parece-me inteiramente descabido que o novo governo brasileiro se apresse a socorrer as finanças mexicanas sem fazer ver a Bill Clinton a irracionalidade e a perversidade de sua política anticubana. Nossa solidariedade é com todas as Américas, de sorte que um país não pode ser socorrido enquanto o outro continua sendo sufocado pelo mesmo capital que precisa de nossa ajuda.

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI, 64, filósofo, é professor aposentado do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Publicou "Trabalho e Reflexão", entre outros livros.

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