São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 1995
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Lula prefere "dar um tempo" a FHC

REINALDO AZEVEDO; AMÉRICO MARTINS

Folha - Aos 15 anos, o PT não corre o risco de senilidade precoce, cedendo à razão dos adversários?
Luiz Inácio Lula da Silva - Aos 15 anos, o nosso amadurecimento é muito grande porque também houve um amadurecimento da sociedade brasileira.
Se nós não tivéssemos perseguido esse amadurecimento, provavelmente seríamos um partido muito insignificante na história da política brasileira. Nós só somos o que somos porque tivemos a capacidade de acompanhar o desenvolvimento político da sociedade.
Folha - O sr. acha que o PT tem respondido a contento à delegação que lhe foi dada para ser o principal partido de oposição?
Lula - Eu não tenho a mesma sede de fazer oposição que alguns setores da imprensa vêm cobrando do PT. Eu acho que você tem um tempo para fazer as coisas.
Eu não posso exigir do Fernando Henrique, em apenas um mês, aquilo que eu não quero que exijam dos administradores do PT. Algumas desculpas dele, no entanto, não se justificam.
Folha - Quais?
Lula - Não ter pensado numa política para o salário mínimo. Essa discussão de R$ 100 existe há pelo menos seis meses.
Folha - Isso pode ser um sintoma de que as prioridades do presidente são outras. O PT não teria de ter uma voz mais ativa em relação a essa questão?
Lula - Embora eu compreenda que, em um mês, não é possível fazer tudo, eu estou convencido de que o Fernando Henrique não poderá cumprir seu programa porque a aliança que ele fez não lhe permite isso.
Folha - O sr. acha bom o programa dele então?
Lula - O programa não é bom. O programa era diferente do meu programa. Algumas coisas foram copiadas do meu programa. Mas ele vai ter muita dificuldade de cumprir porque, com a presidência da Câmara na mão do Luis Eduardo (Magalhães), com a presidência do Senado na mão do (José) Sarney, com a Vice-Presidência do (Marco) Maciel, a direita conservadora passa a ter muito mais influência no poder do que em qualquer outro momento da história.
Agora, ele está começando o governo. Ele pode, quem sabe?, daqui a algum tempo, romper com isso e tentar outro caminho.
Folha - Como o sr. vê a crítica de alguns setores conservadores de que o governo só fala em iniciativa privada? Essa crítica não deveria ser feita pelo PT?
Lula - Eu acho que qualquer cidadão de bom senso sabe que o Estado tem um papel importante. É burrice imaginar que a iniciativa privada faz tudo.
O Estado tem de controlar o setores estratégicos, o Estado tem de controlar os setores que são ligados à nossa própria soberania.
O que o Estado precisa ser é uma espécie de regulador das questões sociais no Brasil. Ele pode cumprir essa tarefa se for um Estado forte politicamente.
Folha - Do Estado interventor ao regulador, o PT trilha a trajetória do macacão à gravata?
Lula - Nós, do PT, em nenhum momento, assumimos a responsabilidade pelo Estado interventor, porque o Estado interventor foi criado pela elite brasileira.
Eu acho que o Estado interventor é fadado ao fracasso. Agora, nós temos de ter o Estado cuidando dos setores estratégicos. É por isso que, durante toda a campanha, eu dizia que nós não poderíamos abrir mão das telecomunicações, da Petrobrás...
Folha - O sr. se opõe, portanto, à proposta que o ministro Nelson Jobim divulgou do fim do monopólio no setor de telecomunicações. Uma proposta que vai ser implementada com ajuda da petista Irma Passoni.
Lula - A Irma não concorda com a proposta do Nelson Jobim.
Folha - Mas vai ser assessora do ministro Sérgio Motta.
Lula - Eu não sei. É cedo para dizer ainda se vai. O que está em jogo, na verdade, nas telecomunicações, são dois conceitos. Um, o europeu, que é o que a Irma Passoni defende, em que o Estado tem o controle e faz concessões em algumas áreas. O outro, que é o americano, que quer que o Estado escancare as portas e fique apenas a iniciativa privada.
Folha - Mas o PT está até cedendo quadros para o governo.
Lula - O PT não está cedendo quadros. Quem está cedendo quadros é o Brasil. E o PT teve um filiado que pediu desfiliação para ser membro do governo. O máximo que eu podia fazer era falar para o Weffort (ministro da Cultura, Francisco Weffort): "Olha, você tem de sair do PT". Mas eu não poderia proibi-lo. Afinal de contas, é a carreira dele que está em jogo.
Folha - Mas ele não era um filiado qualquer. Já foi secretário-geral do partido.
Lula - Mas, amanhã, se um outro companheiro quiser sair para assumir um outro cargo, não sou eu que vou proibir. Não vou colocar ele num campo de concentração.
Folha - Mas não houve uma crítica política do Lula como líder do maior partido de oposição. Ao contrário, esse Lula preferiu reagir como amigo.
Lula - Eu reagi como ser humano. Eu tinha duas opções: ou levaria ele para o banco dos réus, convocaria uma plenária do partido e iria discutir se iríamos deixar ou se iríamos expulsá-lo, ou ele se desfiliaria do partido e não teria compromisso com o PT. É uma questão de civilidade.
Folha - Os seus adversários são tão civilizados com o sr. como o sr. é com eles?
Lula - Eu não sei. Eu sei que a gente não perde nada sendo civilizado. O mandato do FHC é de quatro anos, e nós temos de ter consciência de que é um processo.
Nós definimos no mês de janeiro que seríamos oposição ao governo. Fomos nós que apresentamos, através do deputado Paulo Paim (PT-RS), a proposta de aumento do mínimo para R$ 100. Fomos nós que votamos contra a anistia do Lucena (Senador Humberto Lucena PMDB-PB).
Ou seja, tudo que ele (FHC) fez naquele mês teve a contrapartida do partido. Agora, o que o partido não pode é aparecer para a opinião pública babando como se estivesse desejando que as coisas não dessem certo. Nós queremos que as coisas dêem certo neste país, porque, se não derem certo, quem paga o pato somos nós.
Folha - No passado, o PT babou demais?
Lula - Quando o Collor ganhou, por conhecer as características dele, o PT foi muito incisivo e foi muito mais duro.
Folha - Mas as forças sociais que apóiam o Fernando Henrique hoje não são as mesmas?
Lula - São as mesmas. Agora, eu dou um tempo. E o Fernando Henrique Cardoso tem a chance de provar se eu tenho razão ou se não. Eu dou um tempo porque ele tem uma trajetória política e uma vida política diferente das do Collor.
Durante muito tempo, ele teve compromissos com as lutas democráticas desse país. ELe vai caindo em contradição no decorrer do tempo. Se ele vai mudando de posições constantemente, quem vai pagar o preço é o povo brasileiro... E ele próprio. Vai chegar o momento em que ele vai ter de descer do palanque.
Folha - A Folha publicou recentemente uma pesquisa sobre o perfil elitizado do militante petista. O PT desistiu de se aproximar dos setores desorganizados da sociedade?
Lula - Eu não acho que o militante do PT seja elitizado. A não ser que você considere o Vicentinho (Vicente Paulo da Silva, presidente da CUT) elite.
Folha - Faz parte da elite do movimento sindical.
Lula - Nós temos consciência de que o trabalho mais difícil de fazer numa comunidade é o trabalho da conscientização. É você fazer as pessoas, independente da sua origem social, andar pelas suas próprias pernas.
Agora, o PT precisa se abrir para dois outros campos.
Primeiro, o PT precisa se abrir para os setores desorganizados da sociedade: os milhões e milhões de brasileiros que não têm sindicato, que não têm emprego, que não têm partido político e que, muitas vezes, têm como saída o sobrenatural, a fé inabalável.
Ao mesmo tempo, o PT precisa ter uma outra política para quebrar o terrorismo que certos setores elitistas fazem contra o PT.
Folha - No início, o discurso do PT era muito dirigido para os chamados desfavorecidos. O PT fracassou nesse discurso?
Lula - Não. As caravanas da cidadania eram para conversar com os setores desorganizados. Acontece que conscientizar as pessoas não é uma varinha mágica, que você faz plim-plim.
Folha - Como fazer então?
Lula - Cada diretório zonal, cada diretório no interior precisa priorizar a conversa com esses setores.
Folha - A crise mexicana trouxe à tona fragilidades no plano de estabilidade de Fernando Henrique, tanto é que ele desistiu de investir parte das reservas cambiais em infra-estrutura, conforme seu programa.
O PT, ao invés de explorar essa fragilidade, prefere ficar trocando acusaçÕes internas para saber quem é o culpado por uma avaliação equivocada do plano durante a campanha. Isso não é prova de que falta um norte ao partido?
Lula - Não falta norte. Acontece que nós estamos num processo. Nós vamos fazer a primeira reunião do Diretório Nacional depois da posse do FHC no próximo fim-de-semana.
A bancada está reunida há uma semana exatamente para decidir qual será a estratégia da bancadas nesses próximos meses. O que nós estamos é nos preparando. Eu, pessoalmente, acho que nós não temos de esperar o Nelson Jobim mandar alguma coisa para o Congresso para a gente ser contra.
Folha - A campanha eleitoral não era a hora de fazer isso?
Lula - Era a hora de fazer, mas o Fernando Henrique Cardoso não quis fazer. Primeiro, porque não houve debate. Segundo, o Fernando Henrique fez um programa que só tinha capa e nada dentro.
Folha - O PT está se preparando para dar o bote?
Lula - O PT é um partido de oposição. Nós seremos intransigentes na cobrança do cumprimento das promessas que ele fez durante a campanha, seremos intransigentes contra a corrupção. Mas, à medida que ele tenha uma proposta que nós entendemos que seja correta, nós não vamos pedir nenhuma vaga no governo para votar favoravelmente. Votaremos por convicção.
Folha - Por que o sr. se omite nas disputas entre as várias correntes do partido?
Lula - Cada um faz política do jeito que entende que a política é correta. Eu não quero que o PT tenha em mim um caudilho.
O que eu acho é que alguém que assuma a responsabilidade de ser o presidente de um partido como o PT não pode ser o presidente de uma corrente. Eu não quero acabar com o debate democrático do PT.
Eu estou convencido de que um salto de qualidade na trajetória do PT é o partido começar a preparar as alternativas concretas para esse país. Se nós conseguirmos fazer isso, eu acho que nós daríamos um salto enorme nos 15 anos do PT.
Folha - Mas isso não é pacífico dentro do partido.
Lula - Mas eu não quero que seja pacífico. Eu quero que tenha briga. Agora, quero que todos acatem o resultado da votação.
Folha - O Lula parecia meio cansado. Ele está bem agora?
Lula - Eu apenas não acho prudente repetir o que eu fiz em 89. Ninguém consegue ser candidato quatro anos seguidos. Em 89, quando terminaram as eleiçÕes, eu já era candidato para 94. Perdi e não estou candidato para 98.
Folha - Definitivamente, o sr.não será candidato?
Lula - Isso é um processo. O que eu posso dizer é que minha cabeça não está pensando em 98. O PT não foi criado para me lançar à Presidência. Eu sou uma consequência.

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