São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 1995
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Polanski 'descansa' como ator de Tornatore

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Não é uma nova carreira. Ao assumir o papel do inspetor em "Uma Simples Formalidade", de Giuseppe Tornatore (que estréia em março no Brasil), Roman Polanski volta às suas origens de ator (começou no teatro, aos 14 anos).
Ali, ele leva um confronto com um escritor (Gérard Depardieu), todo o tempo, no interior de uma delegacia. Nesta entrevista por telefone à Folha, Polanski, 61, fala de sua nova experiência, de seu cinema, ataca a Nouvelle Vague e comenta as experiências com LSD que fez nos anos 60.

Folha - Em "Uma Simples Formalidade" foi a primeira vez que o sr. fez um grande papel como ator, trabalhando para outro diretor. Como se sentiu?
Polanski - Sim, antes eu só havia feito pequenas aparições com outros diretores. E me senti muito bem. Eu até esqueci que sou diretor, me concentrava no meu personagem, deixava para os outros todos os problemas que eu tenho quando dirijo.
Nesse sentido, é muito relaxante, você não tem todas as encheções que tem quando dirige. E Gérard Depardieu ajuda muito, ele é ótimo colega.
Folha - O sr. se sentiu inibido em dar palpites no filme?
Polanski - Como eu sou diretor, sei como as coisas se passam. É claro que antes do filme eu discuti muito com ele, dei sugestões, como qualquer ator, mas o trabalho de direção é dele. Ele que olha, ele que julga. E é nele que eu confio.
Folha - No filme, o sr. é um policial. Ironicamente, uma posição inversa à do personagem de seu "O Inquilino". Como vê o tema do estrangeiro?
Polanski - É um tema de que gosto muito. Eu me considero um pouco um cidadão do mundo. Quando eu estava na Polônia, meu sonho era partir para o Ocidente. Depois, viajei muito. Agora estou mais calmo. Já me instalei em Paris há muito tempo, porque eu tinha sensação de ser um pouco um vagabundo.
Folha - Em "Lua de Fel" existe a questão do estrangeiro. Existem americanos, franceses, ingleses na história.
Polanski - Eu faço filmes para o mercado internacional, e para isso é preciso que eles sejam em língua inglesa. Então, eu procuro histórias que possam se passar em Paris, para ser rodado aqui, mas que possam ser faladas em inglês.
Folha - Como tem sido trabalhar com condições diversas, como as dos EUA e da Europa?
Polanski - Na Europa o trabalho é bem mais artesanal, não é a verdadeira indústria, mas existem excelentes técnicos. Na América tudo é muito mais eficaz, ao mesmo tempo existe um número maior de problemas com os estúdios.
Folha - O sr. sempre defendeu um cinema industrial. Como vê a indústria nos EUA, hoje?
Polanski - Hoje em dia, lá, um filme é obra de um comitê, digamos, não há muitos filmes ambiciosos. Há muita coisa interessante nisso que se chama "entertainment". Só que às vezes você precisa de um filme mais profundo, um filme para adultos. E a maior parte dos filmes americanos hoje são para crianças cada vez mais crianças...
Folha - Ao mesmo tempo, a França tem uma herança da Nouvelle Vague, que o sr. não gosta.
Polanski - O que eu gosto é de filmes bem feitos. Não gosto de amadorismo. Não gosto da Nouvelle Vague. Em geral não gosto dos filmes, é um triunfo do amadorismo sobre o profissionalismo. Os filmes franceses antes da Nouvelle Vague na verdade não eram muito interessantes, mas havia grandes filmes, muito melhores que os de agora. Penso que a Nouvelle Vague fez um mal enorme ao cinema francês. As pessoas saíram dos estúdios, passaram a filmar em cenários naturais, houve muitos técnicos que precisaram largar a profissão. Tudo isso foi ruim.
Folha - Como vê, hoje, o fato de Spielberg tornar-se patrão de um grande estúdio?
Polanski - Será ótimo que os artistas assumam o controle da indústria. Hoje em dia ela está toda na mão de antigos advogados, agentes, gente da TV. Praticamente não há estúdios comandados por gente de cinema, como era no começo de Hollywood.
Folha - Em "Lua de Fel" o sr. parece voltar a uma ambientação mais sombria em relação a seus filmes mais recentes, como "Busca Frenética". Parece que é com a atmosfera de "Lua de Fel" que o sr. se identifica mais.
Polanski - Eu sempre fiz todo tipo de filmes. Veja "Tess", por exemplo, ou "Chinatown".
Folha - Mas em "Chinatown" há uma relação muito dura com a corrupção, com almas corrompidas, como em "Lua de Fel".
Polanski - É verdade. Às vezes um filme é uma reação ao que você fez antes. Com frequência é o desejo de ver alguma coisa de uma coisa de tal tipo na tela. É difícil dizer porque eu escolhi tal tema, ou tal filme.
Folha - Me dá a impressão, no geral, que o sr. gosta de trabalhar com atmosferas pesadas, com um grande pessimismo.
Folha - De acordo quanto ao pessimismo. Mas se eu gosto de criar atmosferas é porque gosto de cinema, gosto de criar sensações. Quanto mais você acredita na atmosfera que se cria, mais acredita no que está vendo. Então, eu gosto das atmosferas opressivas, mas não sempre.
Folha - Nos anos 60, o sr. tomou LSD. Em que isso mudou seu olhar para as coisas?
Polanski - Toda experiência muda alguma coisa em nós. Uma experiência forte como essa muda muito mais. Acho que o LSD me fez associar coisas diferentes com maior rapidez, talvez em detrimento da concentração sobre uma só coisa. Nesse sentido, alargou meus horizontes. E depois, existe a constatação de que a alucinação pode ser uma coisa tão verdadeira que se pode confundi-la com a realidade. Essa foi a maior sensação, porque eu sabia que LSD dava alucinações, mas não sabia que se viam as coisas tão precisas.
Folha - Como o sr. vê, hoje, os seus filmes antigos?
Polanski - - Vejo pouco. Mas, quando vejo, tenho certa vergonha do que fiz. Mesmo se aprecio certos elementos, no conjunto nenhum de meus filmes me dá uma satisfação completa. Tenho a impressão sempre de que ainda estou para chegar lá.
Folha - O sr. tem fama de alimentar uma certa misoginia, de mostrar com frequência mulheres que "fazem mal" ao homem.
Polanski - Não é frequente. Veja as mulheres de "O Bebê de Rosemary", ou "Tess". Com frequência elas são as vítimas.

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