São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governar para quem

Infelizmente, a temporada de chuvas deste ano em São Paulo trouxe muito mais do que a irritante cota habitual de transtornos e alagamentos. Trouxe também um grande saldo de mortes (pelo menos 24 na Grande São Paulo) e uma revelação chocante quanto às prioridades da prefeitura paulistana.
Comentando a ação, ou a inação, da prefeitura face aos desabamentos na cidade, o secretário de Serviços e Obras e de Vias Públicas, Reynaldo de Barros, afirmou que o município faz "obras de grande, médio e pequeno porte para a população que paga impostos e que tem direito de exigir serviços".
A conclusão inevitável, de que para o governo paulistano quem não paga imposto não merece a preocupação oficial, não é apenas revoltantemente insensível. Ela viola, corrompe a própria noção de Estado democrático, que tem a redução das desigualdades sociais como um de seus objetivos, aqui consagrado na Constituição.
A infeliz declaração do secretário —tão infeliz que ele agora tenta negá-la— vai na direção oposta. Sugere que obras e melhorias do poder público beneficiem só os que já estão em situação melhor e abandonem os miseráveis à própria sorte.
Note-se que a autoridade erra ao tentar identificar um grupo de pessoas que pagaria impostos. Até quem está isento do IPTU e do Imposto de Renda recolhe tributos sim, sempre que compra comida e roupas ou paga a conta de luz.
Mas isso é irrelevante. Mesmo se não contribuíssem nada, teriam direito à atenção do poder público —e atenção qualificada, pois que são os mais necessitados.
O contexto da declaração só magnifica seu caráter absurdo. Como revelou esta Folha ontem, as mortes causadas pelas chuvas na cidade de São Paulo até aqui decorreram de desabamentos de construções irregulares em terrenos da prefeitura. É inescapável a impressão de que o município foi omisso no seu dever de fiscalizar a segurança das edificações e zelar pela vida dos cidadãos.
O mínimo que o governo paulistano tem a fazer é passar a cumprir essa tarefa básica, evitando novas tragédias. Este é, aliás, o único meio que resta ao município para superar a desafortunada declaração do secretário: provar, no dia-a-dia, com uma ação concreta e determinada em favor dos mais humildes, que o deslize foi apenas um deslize, e não a revelação impensada de uma política consciente da Prefeitura de São Paulo.

Texto Anterior: 15 anos de PT
Próximo Texto: A CPI e a "propinomia"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.