São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 1995 |
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Brasil dá bom exemplo
GILBERTO DIMENSTEIN BRASÍLIA — Não exagero e nem vai aqui nenhum desvio patrioteiro: o Brasil acaba de dar um exemplo mundial de transparência. O Ministério das Relações Exteriores entregou um surpreendente documento à ONU sobre direitos humanos —surpreendente porque sincero.É feito um relato sobre os avanços —e, de fato, graças à pressão da opinião pública dentro e fora do país, combinada com a ação de deputados, senadores, funcionários de governo, houve mesmo avanços. Habitualmente, porém, os governos enfatizam os avanços, mas minimizam ou mesmo negam as mazelas. O governo brasileiro, porém, contou o que tinha de contar. Ao falar de tortura, por exemplo, afirma: "Menos de 10% dos casos de maus-tratos policiais chega ao conhecimento do público". O texto lembra que as crianças e adolescentes são vítimas de grupos de extermínio, integrados por policiais. Através de números, informa que a regra ainda é a impunidade. Reconhece o trabalho forçado, dedicando um trecho apenas às meninas escravizadas na Amazônia. Mostra o quadro devastador das prisões. Aponta o assassinato impune de líderes rurais, constatando que o governo não garante a segurança dos ameaçados. Aponta da crise do Judiciário até a falta de demarcação de terras indígenas. Um amplo espaço é destinado às mulheres, ainda vítimas da discriminação. Chega-se a reconhecer que um dos reflexos é sua baixa representação na esfera oficial. É reconhecido que o mito da democracia racial é apenas um mito. Particularmente inusitado desse documento é sua autoria, o que demonstra um notável avanço democrático. Ao redigir o texto, o governo pediu a ajuda do Núcleo de Estudos da Violência, da Universidade de São Paulo, uma das marcas da luta pelos direitos humanos no Brasil. PS — Ao contrário do que possa parecer, o governo com esse documento, ao reconhecer as seguidas denúncias, apenas melhora sua imagem. Passa a imagem de um governo consciente de seus desafios e defeitos. Pouquíssimos países, a começar dos EUA, podem atirar a primeira pedra. Texto Anterior: A CPI e a "propinomia" Próximo Texto: Utilidade do Congresso Índice |
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