São Paulo, sábado, 11 de fevereiro de 1995
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Procurador insiste no bloqueio de bens

FREDERICO VASCONCELOS
EDITOR DO PAINEL S/A

O procurador-geral de Justiça, José Emmanuel Burle Filho, 51, vai insistir na necessidade de bloqueio dos bens do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia e de outros réus na ação civil pública sobre as importações de Israel.
Burle pede o ressarcimento aos cofres estaduais de R$ 34 milhões e vai apresentar recurso, alegando que o elevado valor envolvido "indica a necessidade de indisponibilidade de bens, pois qualquer perda é uma quebra da garantia".
No último dia 3, o juiz da 11ª Vara da Fazenda Pública, José Maurício Conti, recebeu o pedido de ação civil, mas indeferiu o pedido de bloqueio de bens. Ele considerou que não há indício de dilapidação de patrimônio pelos réus.
Burle nega interesse político na ação civil que propôs contra Quércia, o ex-secretário de Ciência e Tecnologia Luiz Gonzaga Belluzzo e dirigentes da Trace Trading Company e Sealbrent Holding Limited, intermediárias da operação revelada em 1991 pela Folha.
Ele rebate as acusações -feitas por seus opositores no Ministério Público- de favorecimento ao ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho, de quem diz nunca ter sido amigo íntimo.
"Fleury está sendo investigado, não tenha dúvidas. Ele já disse que eu estava a serviço do PT. Político é assim mesmo", diz.
A seguir, trechos da entrevista concedida à Folha em seu gabinete, na última quarta-feira.

Folha - Como o sr. vê a alegação de que a ação contra Quércia tem motivação política?
José Emmanuel Burle Filho - Eu vejo como uma saída política para a ação. Minha atuação é técnica e profissional. Se fosse política, eu teria precipitado a ação no período eleitoral.
Folha - Quércia tem razão ao alegar que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já o absolveu?
Burle - Tecnicamente, ele não foi absolvido. O STJ apenas rejeitou uma denúncia formulada na área criminal. E essa rejeição não impede, em absoluto, uma ação civil pública. Em nenhum momento o STJ disse, nem poderia dizer, que o ex-governador Quércia estava absolvido, que era inocente. Bem por isso, o juiz de São Paulo abriu um processo contra o ex-governador e outros réus.
Folha - Qual a diferença, nas duas esferas, em termos de produção de provas nesse caso das importações?
Burle - A responsabilidade criminal é diferente da responsabilidade civil. Na área criminal, a decisão vai repercutir na liberdade da pessoa e é tomada com exame de maior rigor probatório. É preciso provar o dolo. A responsabilidade civil vai repercutir na esfera patrimonial e política. É menos rígida em termos de prova.
Folha - Quércia diz que vai processar os procuradores. Como o sr. vê essa afirmação?
Burle - É uma postura de um político inteligente. Ele quer passar para o povo a visão de que é tão forte que vai processar o procurador-geral... O recebimento da ação é o reconhecimento do Judiciário de que minha atuação não é política. Estou cumprindo a lei.
Folha - Se ele se sentir perseguido, pode entrar com ação?
Burle - Com o recebimento da ação civil pela Justiça, não. Ele precisaria provar que minha ação é contra ele e que não respeitei a lei.
Folha - O pedido de auditoria bancária atende à necessidade da ação civil ou antevê algum efeito na esfera criminal?
Burle - Eu pedi a auditoria bancária porque, no decorrer da ação civil pública, tenho que fazer a instrução probatória. Eu poderia produzir essa prova aqui, no Ministério Público, mas preferi requerer em juízo, respeitando o contraditório. É mais uma demonstração de que não ajo politicamente.
Folha - O que o Ministério Público busca com essa auditoria? Um pagamento indevido que remeta novamente o caso à esfera criminal?
Burle - Eu pedi que o Banco Central procedesse a auditoria para identificar todos os créditos nas contas bancárias dos réus entre dezembro de 1988 e dezembro de 1994, incluindo valores remetidos ou provindos do exterior. Eu quero tentar um cruzamento. O exame da prova de uma ação pode repercutir em outra.
Folha - Belluzzo diz que o pedido de indisponibilidade de bens o atinge moralmente. E que seu patrimônio consiste apenas na sua casa. Como é feito um eventual ressarcimento por quem tem patrimônio menor?
Burle - É solidário. Se a ação for procedente, os réus responderão solidariamente. O juiz tira mais bens de quem tem mais. Se um não tiver nada, o outro paga tudo.
Folha - Por que não foi pedido o exame das contas bancárias de Fleury, já que ele também participou da operação? Quércia não pode alegar que está sendo perseguido?
Burle - O caso das importações de Israel se desdobrou em contratos —sem licitação— nas secretarias de Ciência e Tecnologia e na de Segurança Pública. Na primeira, tivemos o laudo da Polícia Federal apontando um superfaturamento e a existência de similares em território nacional, o que caracteriza a ilegalidade, com prova documental. Por isso, a minha ação civil.
Na área da Segurança Pública não tenho ainda essas provas, embora esteja atrás delas. Não basta a mera presunção de ilicitude para quebrar o sigilo bancário.
Folha - O sr. pediu uma perícia para as compras de armas e equipamentos de Israel na área da Segurança Pública?
Burle - Estou insistindo, cobrando uma perícia já pedida. O titular da secretaria está apurando.
Folha - Por que essa investigação demorou na área da Segurança Pública, se a comparação de preços de armas deve ser mais fácil do que a de sistemas científicos de ensino?
Burle - A gente depende dessa área. Eu não posso entrar e fazer (a perícia).
Folha - Se o Ministério Público Estadual tivesse tomado essas providências na fase inicial, o caso teria tido outro desdobramento. O órgão faz essa autocrítica?
Burle - Como eu não estava aqui, é difícil fazer essa avaliação.
Folha - A operação foi caracterizada como um "pacote", com um mesmo intermediário. Por que a ação civil só alcança as compras da Secretaria da Ciência e Tecnologia?
Burle - Porque nessa área eu tenho provas. Estou atrás dessas provas na Segurança Pública.
Folha - Como o sr. avalia as alegações de favorecimento a Fleury, devido à sua amizade com o ex-governador?
Burle - Nunca neguei, nem é o caso, que participei de campanhas internas no Ministério Público junto com o ex-governador Fleury. Mas nunca fui seu amigo íntimo. E eu sempre dizia a ele que, se eu chegasse a procurador-geral, seria cada um na sua cadeira. Mas nunca agi com radicalismo. O mesmo vale para o ex-governador Quércia.
Folha - O que se pode dizer, então, é que Fleury está sob investigação?
Burle - Sim. Todos aqueles que participaram da formação do elo de responsabilidade para chegar no contrato e na dispensa de licitação, se constatada a ilegalidade, vão ser responsabilizados.

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