São Paulo, sábado, 11 de fevereiro de 1995
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Emoções imperfeitas

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO-Estava me sentindo em casa na Suíça durante o Fórum Econômico Mundial. Afinal, era a volta às emoções fortes. Até Bill Clinton, supostamente o homem mais poderoso do planeta, previa "graves consequências" se não se resolvesse logo a crise mexicana.
Um megainvestidor (ou megaespeculador, diriam outros), como George Soros, antevia uma crise "tipo 1929", aquela da quebra da Bolsa de Nova York.
Meus demônios internos, escondidos nos cantos mais escuros da alma, torciam freneticamente para que o pacote de ajuda ao México não saísse. Afinal, cobrir uma crise "tipo 1929" é tudo o que me falta.
Já imaginava até um velhinho de Oklahoma, quebrado por ter posto dinheiro na América Latina, atirando-se do último andar do World Trade Center enrolado em uma bandeira brasileira em chamas.
Aí, o Clinton dá um drible no Congresso, arranja o dinheiro para o México e a crise entra em hibernação. Sou obrigado a me conformar. Se o Fernando Henrique diz que presidente não pode tudo, imagine se jornalista poderia fazer tudo o que quer, não é? Paciência.
Pego o avião para voltar ao Brasil. Só sobrou um jornal brasileiro para ler ("O Globo") e ainda por cima é da véspera. Leio. Dá vontade de gritar para o piloto: "Volta que o Brasil, em matéria de notícias, está mais frio do que Liechtenstein".
Passa-se uma semana e começo penosamente a me reacomodar à rotina. Até a manhã de ontem quando a página 1-10 da Folha me aplica a punhalada final —e pelas costas.
Entrevista do Lula. Tudo ia bem até a 20ª pergunta. Aí, Lula introduz a maldita palavrinha "processo", essa que os tucanos adoram usar desde que tomaram conta da economia. No meu dicionário particular, "processo" é o antônimo perfeito de emoções fortes. Nunca dá manchete.
O Lula parece ter sido contagiado. Na 26ª e última resposta, reincide: "Isso é um processo". Até tu, Lula?
Alguém aí está precisando de correspondente em Grozni?

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