São Paulo, sábado, 11 de fevereiro de 1995
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Incoerência

No mesmo dia em que vetou o salário mínimo de R$ 100,00, o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a lei que anistia os parlamentares que fizeram uso ilegal da gráfica do Senado.
O veto ao aumento do salário mínimo parece ser mesmo uma imposição das circunstâncias. Segundo o governo, o sistema previdenciário teria um déficit adicional da ordem de R$ 5 bilhões ao ano. E não há recursos para cobri-lo. Permitir o crescimento do déficit público ameaçaria o Plano Real.
Mas não é possível encontrar coerência na sanção da anistia ao senador Humberto Lucena, condenado pela Justiça de acordo com lei aprovada anteriormente pelos próprios congressistas. A moralização das práticas políticas é uma das principais demandas da população. Em seu nome foi afastado nada menos do que um presidente da República e alguns congressistas. E se não bastassem essas considerações de ordem política, há contra a anistia um argumento irrefutável: ela é moralmente condenável.
O procurador-geral da República, Aristides Junqueira, e a OAB declararam que poderão entrar com ações de inconstitucionalidade da lei que anistia o uso então ilegal da gráfica. Segundo advogados consultados por esta Folha, o diploma pode ser caracterizado como legislação em causa própria. Há ainda o argumento de que a anistia só seria aplicável a crimes políticos e não a casos como esse, de má utilização de recursos públicos.
Se mais uma vez a Justiça conseguir restabelecer os padrões éticos que o Congresso rifou e o presidente aparentemente considerou secundários, a sociedade e a democracia terão conquistado uma importante ainda que tardia vitória.
De qualquer forma, o Executivo e o Legislativo já perderam uma inestimável oportunidade de mudar para melhor as práticas da vida pública no Brasil.
Não se sabe ao certo se o veto à vergonhosa anistia impediria o presidente de aprovar as tão necessárias mudanças constitucionais. O presidente parece ter confiado mais na troca de favores do que no apoio da população.

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