São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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OAS, ACM, FHC

MARCELO LEITE

Inveja. É o que sinto quando leio uma reportagem como "Por dentro da mala preta da OAS", publicada na revista "Veja" do último domingo. Inveja no bom sentido, claro —ficaria mais satisfeito se o furo tivesse saído no jornal que me cabe vigiar, a Folha.
Para quem não leu: em oito páginas de Joaquim de Carvalho e William Waack, "Veja" descreve como "uma das maiores empresas do país, a 35ª na lista de Melhores e Maiores da revista 'Exame', montou e alimenta uma rede de dinheiro clandestino no exterior".
A empresa, como era de esperar, negou. "Tudo mentira. A reportagem é inteiramente falsa (...) a OAS, em defesa de seu nome e de seu patrimônio, entrará imediatamente em juízo para processar civil e criminalmente a Revista VEJA", mandou publicar em anúncios inseridos nos principais jornais de segunda-feira.
O caso está agora nas mãos das autoridades policiais e judiciárias. Como sua eficiência não é propriamente notável, no Brasil, espero que a revista se empenhe para não deixar o caso morrer. É um dever cívico aprofundá-lo, pelo que encerra de combustível pedagógico sobre a extração moral de empresários deste país.
Antevejo o prosseguimento do caso pela própria "Veja" porque o desempenho dos diários tem sido risível, no campo do jornalismo investigativo. A Folha, por exemplo, nada tem feito de comparável, como anotei em minha crítica da edição (documento interno que circula diariamente na Redação):
"Há tempos não vejo na Folha, pelo menos desde o caso dos bônus eleitorais, uma reportagem tão devastadora quanto a do homem da mala da empreiteira baiana. Com a diferença de que o candidato do PL era peixe miúdo."
Pior. Não fosse pelo anúncio da OAS na pág. 1-5, o leitor da Folha nem ficaria sabendo da história. Na edição de segunda-feira, o jornal não publicou uma linha sobre o caso, diferentemente de seus concorrentes "O Estado de S.Paulo" e "O Globo" (foi só na terça que se recuperou do atraso).
Todos editaram reportagens quase protocolares, com pouca informação inédita. Era quase perceptível a má vontade com que o registro incontornável foi feito. De terça para sexta-feira, o assunto mixou e desapareceu.
Talvez alguns editores se apressem a objetar que a reportagem tem lacunas, que uma das fontes é pouco confiável (Cecílio do Rego Almeida, da construtora C.R. Almeida, encarniçado concorrente da OAS), que o texto faz observações preconceituosas sobre características físicas do leva-e-traz José Raul Sena Gigante —sei lá.
É a tal história das uvas verdes. Tenho certeza de que a maioria deles, com tal material em mãos —de resto bem-calçado e assinado por um grande nome da imprensa, o de William Waack—, não hesitaria em publicá-lo.

Ah, sim, o título: "OAS, ACM, FHC".
Não fosse pelo caso em si, perturbador, os jornais teriam ainda um motivo adicional para dar-lhe o devido destaque: politicamente, é pura dinamite.
Como a própria revista destaca, um dos dois sócios majoritários da OAS é Cesar Araujo Mata Pires, genro do imperador honorário da Bahia e do PFL, Antônio Carlos Magalhães. Vulgo Toninho Malvadeza, hoje mais conhecido pela asséptica sigla ACM.
Uma leitura atenta do texto de "Veja" deixa claro que o dono da C.R. Almeida não foi a única fonte de peso na reportagem. Algumas informações fazem parte do acervo amealhado pela Polícia Federal, como bem assinalou Janio de Freitas em sua coluna de terça-feira, na Folha:
"O necessário uso de documentos apreendidos pela Polícia Federal, há quase dois meses, autoriza, no entanto, a dedução de propósitos políticos do governo. E mesmo que o fornecedor tenha sido, por exemplo, um delegado agindo por iniciativa sua, nos meios políticos vai ficar a convicção de finalidade política."
Coincidência ou não, ACM partiu para o ataque na quinta-feira. Assim que seu aliado (ma non troppo) FHC tirou os pés de território carlista, a Bahia, Malvadeza lançou a ameaça: derrubar no Congresso o veto presidencial ao mínimo de R$ 100.
O lance de Magalhães dá uma pista sobre a qualidade da argamassa com que arrima seu prestígio político. Contribui também para enriquecer o absurdo do teatro político com uma cena inverossímil, não fosse ridícula: o social-democrata FHC contra um aumento de salário, e o neocoronel ACM a favor.
Foi mais um episódio no enredo nebuloso, do tipo morde-e-assopra, que tem marcado a estranha aliança PSDB-PFL desde a posse. Mesmo tendo perdido o bonde da OAS, os jornais deveriam esforçar-se por contar como este e outros detalhes se encaixam no que deveria ser o alicerce de um novo país.

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