São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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NA PONTA DA LÍNGUA

Um espectro ronda os jornais: excesso de aspas. A sugestão de que tratasse do tema partiu de um xará, Marcelo Coelho, o único da equipe de marcelos da Folha com que sou confundido (por algum motivo insondável, talvez o sobrenome protéico).
As declarações mais banais, informações encontráveis no mais mequetrefe almanaque, tudo vem encapado no preservativo de vírgulas promovidas. É a lavanda do redator, que recorre a ela como um Pôncio Pilatos do teclado: "Foi ele quem disse, não tenho nada a ver com essas palavras".
O abuso é mais visível nos títulos. Tome-se um exemplo a esmo, como o primeiro caderno da edição de sexta-feira.
Pág. 1-4 (dispenso as aspas iniciais das citações para evitar as ainda piores meias aspas): FHC reconhece não ter sido um "bom professor"; Presidente afirma que "salário não é tudo".
Em alguns momentos pode ser justificável o uso de aspas, quando se pretende enfatizar uma frase ou expressão surpreendente, dita exatamente daquele modo. Mas... "bom professor"? E alguém duvidaria de que o parcimonioso Fernando Henrique tenha dito que salário não é tudo, se forem dispensadas as aspas?
Pág. 1-5: Pefelista vira "dono" da festa. Aqui o redator se envergonhou de ter usado uma figura de linguagem. Perfeitamente legítima, diga-se. Afinal, é difícil de encontrar um substantivo que combine melhor com ACM.
Pág. 1-10: Lula prefere "dar um tempo" a FHC. E o jornalista prefere não se arriscar. Constrói o título como uma espécie de ação preventiva, a alardear que no momento oportuno o próprio texto da entrevista provará que foi isso mesmo que o líder do PT disse.
O segredo de aborrecer é dizer tudo, já dizia Voltaire. Especialmente se "tudo" vier entre aspas.

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