São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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Oxigenar a economia e "tigralizar" o Estado

ANTONIO KANDIR

Há quanto tempo não tínhamos um início de ano como este? A inflação em janeiro foi a mais baixa dos últimos 20 anos. A taxa de investimento, que chegou a 13% do PIB em 92, elevou-se para 17% no final de 94 e deve se manter em alta, já que muitos setores chegam ao limite de uso da capacidade instalada. O desemprego está em queda, com dados muito positivos de contratação em janeiro.
São sinais inequívocos de que a economia vai bem e os méritos devem ser creditados a quem os merece. Não fosse a obstinação dos que defenderam o Real desde o princípio, Fernando Henrique à frente, o quadro seria outro, "detalhe" que alguns críticos omitem. Todavia, por melhores os resultados alcançados até aqui, eles são insuficientes e insustentáveis no médio e longo prazos.
Para manter a economia no rumo certo, muito pode ser feito em termos de gestão. O governo FHC sabe disto e o tem mostrado, com medidas concretas, algumas muito corajosas, para reconstruir a disciplina financeira do setor público (intervenção em bancos estaduais, nomeação de técnicos qualificados para presidência da Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, fortalecimento do controle sobre estatais, recusa ao loteamento fisiológico de cargos).
Mas isso não basta. É preciso reformar a Constituição, para duas coisas, fundamentalmente: oxigenar a economia, eliminando entraves ao investimento em áreas como telecomunicações, recursos minerais, gás canalizado, recursos hídricos; e reconstruir o Estado, para ajustá-lo aos desafios de uma economia cada vez mais globalizada e de uma sociedade cada vez mais diversificada, complexa, autônoma e exigente.
A remoção de entraves ao investimento depende de modificações no capítulo da ordem econômica, com o fim da discriminação contra o capital estrangeiro e quebra ou flexibilização de monopólios para permitir a participação da iniciativa privada, nacional e estrangeira, em áreas, até aqui, de atuação exclusiva do Estado.
Nessa matéria, são altas as chances de ocorrer avanços importantes. De um lado, porque há consenso maior quanto à impossibilidade de manter as coisas como estão. De outro, porque a favor das mudanças formou-se um bloco de interesses majoritário em relação aos defensores do status quo.
Quanto às matérias importantes para a reconstrução do Estado (regime fiscal e tributário, Previdência, funcionalismo etc.), o panorama é mais complexo, porque são múltiplos os interesses em jogo e porque não existe uma confrontação de um bloco de interesses contra outro. A estrutura da disputa lembra a de um caleidoscópio, com a ordenação de interesses se alterando a cada tópico.
Por isso, a negociação desses tópicos vai exigir talento político, sendo impossível determinar de antemão quais os resultados. Importa, no entanto, entender desde logo a gravidade dos desafios colocados para o Estado, incluídos todos os níveis de governo, para que não venhamos divergir depois sobre a sorte de um cadáver.
Nos dias que correm, o Estado sofre um duplo desgaste: um que vem "de cima", decorrente do fenômeno da globalização, que reduziu muito a autonomia do Estado no manejo dos efeitos das decisões microeconômicas de instituições financeiras e empresas transnacionais, como mostra a crise do México; e um que vem "de baixo", de uma sociedade em que as exigências se multiplicam e se alteram velozmente, sendo muito diversificadas (sobretudo num país continental e heterogêneo com o nosso, em que convivem setores modernos e bolsões de miséria).
Para vencer esses desafios, o Estado não pode ser fraco. Aliás, fraco ele já é no Brasil. Pesado, extenso, mas fraco. Com a licença no neologismo, precisamos "tigralizar" o Estado, pois não nos interessa um Estado balofo, desengonçado, incapaz de agir frente à velocidade das mudanças, presa fácil dos caçadores de privilégios.

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