São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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Dorothéa sem script

LUÍS NASSIF

A ministra da Indústria, Comércio e Turismo (MICT), Dorothéa Werneck, é um furacão ambulante. Quando a serviço de causas criteriosas, é um trunfo político de valor inestimável. Quando descontrolada, pode ser um desastre monumental.
O mapa meteorológico indica que o furacão está fora de controle.
Anos atrás, como secretária de Política Econômica, a ministra consagrou-se nas discussões das câmaras setoriais. Mas tinha atrás de si um grupo de técnicos dotados de sólidos conhecimentos de política industrial, que preparava-lhe os scripts.
Seria injustiça dizer que a verdadeira Dorothéa era seu sub, Antônio Maciel, já que o papel de animadora econômica é fundamental em funções políticas. Mas sem roteiristas e sem um conhecimento sólido sobre estratégias de política industrial, a grande atriz política pôs-se a improvisar. E permitiu aos brasileiros entenderem porque os americanos gostam de batizar furacões desgarrados com nome de mulher.

Voluntaristas
O que aprontou nos últimos dias denota um voluntarismo incompatível com os tempos atuais e com os propósitos externados pelo governo Fernando Henrique Cardoso, de não administrar nem por sustos, nem de maneira imperial.
A ministra parece não se dar conta das mudanças democráticas que ocorreram no país nos últimos anos. Não se aceitam mais déspotas esclarecidos e muito menos os equivocados. Decisões estratégicas nacionais não podem mais sair da cabeça de ninguém sem um amplo processo de esclarecimentos e de convencimento público.
Mas o que se vê é o diretor da Área Internacional do Banco Central, Gustavo Franco, puxando uma ponta da corda e decidindo que o câmbio vai ficar sobrevalorizado mesmo. E Dorothéa puxando a outra ponta e, como não pode mexer no câmbio, estabelecendo alíquotas de importação a seu talante, sem deixar claro o processo de decisão que determinou a medida.
Não consultou a Fazenda, que administra preços, o Itamaraty, que administra os acordos do Mercosul, e os consumidores, que pagam a conta. Ajudou a reforçar os críticos que consideram as câmaras setoriais o mais novo reduto do corporativismo pátrio. Permitiu que se lançassem suspeitas sobre o poder de lobby das montadoras paulistas.

Carro a álcool?
Agora vem com essa proposta estapafúrdia de lançar o carro a álcool popular, a preços inferiores. Num momento em que a produção mundial de petróleo, as novas tecnologias e o fim da guerra fria apontam para uma redução de longo prazo nos preços do petróleo, a ministra relança da própria cabeça um programa oneroso, cuja conta recai sobre todos os consumidores de derivados de petróleo. E já se põe a convocar usineiros para participarem da câmara setorial. Qual é?
Que a ministra contenha sua energia ou providencie novo roteirista, para não privar a vida pública brasileira de um grande personagem político —Dorothéa com script.

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