São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995![]() |
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A lenda do vento
GILBERTO DIMENSTEIN TEOTÔNIO VILELA — As mulheres pobres de Teotônio Vilela, interior de Alagoas, acreditam numa lenda: o vento teria poderes malignos e sobrenaturais. Seus filhos morreriam porque receberam uma golfada do vento, ministrada pelas mãos de Deus."Deus trouxe, Deus leva" —ouvi por várias vezes essa frase, desde que cheguei a Teotônio Vilela, quarta-feira passada. Aqui se vê como o nome de Deus consegue justificar tanta ignorância humana —inclusive, e sobretudo, das autoridades. Esta cidade transformou-se num incrível laboratório a céu aberto. Alvo de reportagens sobre seus níveis de mortalidade infantil, Teotônio Vilela serviu para que o Palácio do Planalto realizasse uma experiência: mostrar como se reduz com rapidez e pouco dinheiro o número de mortes. Despejaram-se cestas básicas de julho a novembro do ano passado. O resultado foi imediato: durante três meses morreram apenas três crianças, algo jamais visto na região. A comida parou em dezembro: e os índices voltaram abruptamente a explodir. Ou seja, comeu, viveu. O problema é que as "cultas" autoridades muitas vezes acabam, por vias transversas, acreditando na lenda do vento. Não conseguem acreditar (ou não querem) como é fácil e rápido, pelas mãos do homem, reduzir a morte de crianças. Não canso de repetir: nações muito mais pobres têm indicadores sociais várias vezes melhores do que o brasileiro. Vivemos um quadro absurdo: terras férteis, água e sol, mas desnutrição disseminada. Somos obrigados a ouvir dos gênios da economia que o aumento do consumo nas camadas mais pobres é uma ameaça à estabilidade. Se fossem bons de cálculo, eles deveriam estimar quanto cada bobagem dessas significaria em número de vidas desperdiçadas. PS — Seria ótimo se pudéssemos ter uma campanha de educação não apenas das mulheres que acreditam que Deus é diabo, convencidas dos poderes do vento. Mas das autoridades que, por ignorância e descaso, não têm a sensação de urgência. Cada ministro antes de assumir deveria ser obrigado a fazer um estágio em Teotônio Vilela. Já seria um bom começo. Texto Anterior: O custo do almoço Próximo Texto: Corno não cobra córner Índice |
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