São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 1995
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Fragmentação, governabilidade e consenso

LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES

Erramos: 13/10/95
Neste artigo, a palavra "fragmentação" foi grafada incorretamente (" framentação").
Diante do atual sistema partidário, as dificuldades de FHC com o Congresso seriam de se esperar. Acompanhando o avanço da democratização, passamos do bipartidarismo criado pelos militares para um pluripartidarismo extremado criado pela classe política.
Como resultado das eleições de 94, 18 partidos conseguiram representação na Câmara Federal e 11 no Senado. O número elevado, em si mesmo, não afeta a governabilidade do sistema, quer dizer, a formação de maiorias estáveis. Pelo menos dez desses partidos não têm poder de chantagem porque estão fracamente representados no Parlamento e não são capazes de afetar a tomada de decisões. O que conta efetivamente são os partidos cuja tomada de posição afeta o rumo das votações.
Os cientistas políticos costumam denominá-los de partidos relevantes. Utilizando a fórmula de Taagapera & Shugart ("Seats and Votes"), após as eleições de 94, temos 8,3 partidos relevantes na Câmara Federal: PMDB, PFL, PSDB, PPR, PT, PP, PDT e PTB. O PSB responde pelo 0,3 do índice, mas não é suficientemente forte a ponto de atingir o status de partido relevante.
Considerando apenas a Câmara Federal, um sistema de oito partidos relevantes sugere alta fragmentação partidária. Pela fórmula de Douglas Rae (The Political Consequences of Electoral Laws), a fragmentação é de 0,87. (Para os não-especialistas: o índice varia de 0 a um. A fragmentação média, entre 1945-73, na França da 4ª República, foi de 0,79; no Reino Unido, de 0,51; nos EUA, de 0,48).
Dois fatores, no nosso caso, têm-se combinado para elevar o índice de fragmentação: o declínio dos dois principais partidos (o PMDB e o PFL) e o aumento do número de partidos de tamanho médio. Com relação ao primeiro fator, quando da eleição para a Constituinte, em 1986, tivemos 11 partidos parlamentares.
Mas os dois primeiros ganharam 77% do total das poltronas. O PMDB, sozinho, ficou com 53%. Nessa altura, o índice de fragmentação era de 0,65. Mas, no transcorrer da própria legislatura, por processos de cissiparidade e de migração partidária, a soma dos deputados sob as legendas do PMDB e do PFL baixou para 45%. Nas eleições de 1990, 19 partidos obtiveram então ao menos uma poltrona na Câmara Federal. A proporção de deputados dos dois maiores partidos caiu mais ainda, chegando a cerca de 38%. Nessas eleições ficou novamente em 38%.
Vejamos agora o segundo fator. Olhando o processo após as eleições para a Constituinte, nota-se o crescimento do número de partidos, que denominamos, de modo relativamente arbitrário, de tamanho médio. Desde então, o número de partidos médios parece estabilizado em torno de seis, o de pequenos partidos em torno de três e o dos micros, em torno de sete ou oito.
É aí que reside um dos principais obstáculos para a constituição de maiorias duradouras de apoio ao Executivo. Os pequenos e micropartidos, como já dissemos, não contam. Os problemas gerados pelo pluripartidarismo extremado não podem, portanto, ser buscados no estabelecimento de alguma cláusula de exclusão, ou seja, de eliminação de partidos que não atinjam um percentual mínimo de votos, como já notou Renato Lessa nesta Folha (3/02).
No momento, a soma das poltronas dos pequenos e micropartidos representaria cerca de 10% da CF. Ora, o PTB, o menor dos partidos relevantes, tem 6%. Se uma taxa de exclusão de 5% fosse utilizada, não afetaria os partidos de tamanho médio. Provavelmente, se os 10% dos lugares que sobrariam com a eliminação dos pequenos e micropartidos fossem distribuídos aos restantes, a fragmentação, pela fórmula de Rae, aumentaria.

QUADRO
Temos, pois, um quadro de pluripartidarismo extremado cuja superação não está à vista. Certamente, melhor seria outra morfologia partidária. Mas como essa é a única que temos, é preciso aprender a trabalhar com ela. Nesse sentido, um aspecto positivo é que, apesar da fragmentação alta, o coeficiente de polarização ideológica não é tão elevado como, por exemplo, no período de Goulart.
Portanto, há possibilidade de governar na base do consenso. Tratar-se-á de um padrão muito distanciado do que caracteriza as democracias anglo-saxônicas, de dois partidos parlamentares relevantes. Nelas, a maioria governa e a minoria faz oposição e não espera participar do gabinete, ao contrário do que acontece aqui.
Mas, aqui e agora, FHC terá provavelmente que governar com base em maiorias "ad hoc". Esse fato impõe, por si só, um estilo mais negociador que exclui posições extremadas. Não é o ideal, mas é o possível diante de um contexto estrutural que deveria ser mais grave na hipótese de que outro fosse o presidente e outro o seu partido.
O PSDB é atualmente o partido que tem maior potencial de coalizão, de formação de alianças à esquerda e à direita, quer dizer, de composição de maiorias. Num contexto de pluripartidarismo extremado, trata-se de uma vantagem. A opção contrária seria o apelo populista às massas que sempre termina em algum tipo de autoritarismo.

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