São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 1995
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Uma política para os bancos públicos

DAVID ZAIA

O debate sobre a intervenção do Banco Central no Banespa e no Banerj e a possível privatização do Meridional, BEC, Bemat e outros tem passado ao largo de uma questão de vital importância: a formulação de uma política clara, por parte dos governos federal e estaduais, para a atuação dos bancos públicos de agora por diante.
O Brasil viveu nos últimos 20 anos às voltas com um processo inflacionário desgastante e cruel para todo o povo brasileiro. O sistema financeiro, porém, foi um dos grandes beneficiários desse processo, chegando, nos momentos mais agudos da loucura inflacionária, a deter algo em torno de 18% do PIB nacional.
Mais grave ainda: essa participação no PIB, elevada para qualquer parâmetro internacional, não foi conseguida através de uma ativa política de crédito que viesse a beneficiar os setores produtivos da economia, o comércio ou o setor de serviços. Muito pelo contrário, foi conseguida simplesmente rolando a dívida pública, ou seja, dinheiro público que foi drenado para o sistema financeiro através da política de juros praticada impunemente durante mais de duas décadas neste país.
O déficit público, sempre responsabilizado como o grande causador de todos os males nacionais, não tem como causa o salário do funcionalismo. Se eliminarmos das contas do governo os juros pagos pelo serviço da dívida pública, sobrará dinheiro em caixa.
Os bancos públicos, sejam federais ou estaduais, cumpriram e cumprem papel decisivo para o desenvolvimento deste país, desde que sejam administrados com seriedade, eficiência e qualidade, sem fazer empréstimos para apaniguados do poder e sob fiscalização rigorosa do Banco Central. Ninguém pode negar que eles foram e são agentes fundamentais para uma política de desenvolvimento voltada para o social.
Em todo esse tempo, os bancos públicos estiveram no centro do furacão inflacionário. De um lado, se beneficiavam do processo, como todos os demais bancos. Mas na outra ponta serviam como extensão do caixa do Tesouro, principalmente no caso dos bancos estaduais, de governos que tinham seus recursos tributários consumidos pelo serviço da dívida pública.
Junte-se a isso a corrupção existente nos governos, a cumplicidade entre os governos federal e estadual e a consequente pouca fiscalização do Banco Central ou, sendo mais claro, a existência de uma fiscalização "política" que não impedia o uso eleitoreiro desses bancos, e não fica difícil entender porque a situação de vários desses bancos está do jeito que está. E o que o governo propõe como solução? "Tirar o sofá da sala" e não enfrentar o problema direta, aberta e corajosamente.
Um país como o nosso, com a dívida social que tem, acumulada durante décadas, com a desigualdade social existente e visível em qualquer esquina das grandes cidades, onde até "campanhas contra a fome e a miséria" o governo é obrigado a incentivar, precisa de desenvolvimento, de crescimento econômico, de emprego, de salário, de mais assistência social, mais educação, mais e melhores condições de cuidar da saúde de sua população.
Agora, alguém acredita que estas necessidades vão ser resolvidas apenas deixando-se atuar as leis de mercado? Alguém acredita que os capitalistas, principalmente com a vocação monopolista que muitos dos nossos têm, estão preocupados em abocanhar mais uma fatia de mercado?
Se quisermos ter desenvolvimento e crescimento econômico, com distribuição de renda e melhoria do quadro social e da qualidade de vida da população, vai ser necessária uma forte intervenção do Estado neste sentido. A partir daí, o direcionamento do crédito será uma arma fundamental para ditar os rumos e a velocidade do crescimento de uma política de desenvolvimento voltada para a área social.
Os novos governos federal e estaduais não podem fugir a esse debate, sob pena de estarem cometendo um crime contra as populações e os Estados que um dia pretenderam defender. Os técnicos do Banco Central e a famosa "equipe econômica" instalada no governo não podem fechar os olhos diante do risco que representa a liquidação do sistema financeiro público.
A formulação de uma política clara para esses bancos é uma exigência dos tempos modernos. E os funcionários e suas entidades representativas aceitam o desafio de discutir seriamente essa e outras questões colocadas na ordem do dia pela atual conjuntura.
Temos, inclusive, sugestões valiosas a dar em todo esse processo, como atesta o documento entregue na segunda semana de janeiro ao interventor do Banco Central no Banespa pelo Comitê de Defesa do banco, que congrega várias entidades dos funcionários do Banespa.

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