São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 1995
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O consumidor sem vez

LUÍS NASSIF

Há duas questões a se analisar nas ações da ministra Dorothéa Werneck, da Indústria, Comércio e Turismo (MICT), em relação à Câmara Setorial da Indústria Automobilística. Uma é o conteúdo; outra, a forma.
Em relação ao primeiro, informa a ministra que todas as medidas adotadas visam consolidar o modelo industrial brasileiro e repor o acordo automobilístico no seu eixo original.
Técnicos que participaram dos estudos iniciais indicam que duas alterações deturparam o acordo original.
A primeira foi a redução da alíquota do IPI de carros populares para 0,1%, perpetrada no governo Itamar para privilegiar o Fusca. O que se paga de IPI no meio do processo de fabricação é compensado nas etapas seguintes.
Para "zerar" o IPI pago na compra de autopeças, a alíquota do carro popular deveria ser de 8%. Com a decisão intempestiva de Itamar, as montadoras passaram a utilizar na venda de outros modelos o crédito acumulado do IPI dos carros populares.
A segunda deturpação foi a antecipação do processo de redução das alíquotas de importação de veículos —de 35% para 20%— pela equipe econômica em setembro do ano passado, aproveitando o clima desfavorável às montadoras, em função do ágio.
A intenção das mudanças da semana passada foi a de repor o acordo no seu leito original, diz Dorothéa.
Questão de forma
O primeiro dos erros do governo foi não se dar conta de que, do primeiro acordo para cá, surgiram personagens novos e fundamentais na política nacional, que não podem mais ser ignorados: o consumidor em particular e a opinião pública em geral. Foi em nome deles que Fernando Henrique Cardoso se apresentou na campanha.
Esse público testemunhou, no ano passado, tentativa de montadoras e de trabalhadores de furar os compromissos de preços firmados com o governo.
Da mesma maneira, foi vítima de um processo indecente de cobrança de ágio, que as montadoras não quiseram coibir para não se indispor com sua rede revendedora.
Muito bem que o ágio seja substituído por impostos —a coluna foi a primeira a propor essa substituição. Mas o que se fez foi premiar o relapso, aumentando a proteção aos seus produtos, sem proteger o consumidor que, durante meses, teve nas importações a única arma de que dispunha para não ficar à mercê de contraventores.
Fim de mundo
Por maiores que sejam as justificativas macroeconômicas —e existem, já que abertura indiscriminada de importações nunca foi política industrial— o mínimo que se teria a fazer era colocar a proteção ao consumidor como ponto central do acordo.
Mas em nenhum momento anterior à decisão teve-se o mínimo cuidado em prestar satisfações à opinião pública, em expor as propostas a um debate público que permitisse, no mínimo, um trabalho de convencimento prévio.
Pior: conduziu-se o processo de afogadilho, recorrendo-se à manjadíssima retórica do fim-do-mundo. "Se não fizermos isto correndo, as montadoras vão se mudar para a Argentina", "se não fizermos aquilo correndo vai haver uma inundação de importados que em 60 dias liquida a indústria nacional". Ou, no reverso, "graças às mudanças, vamos ter US$ 12 bilhões de novos investimentos", como se investimentos dessa magnitude fossem decididos ao sabor de uma mudança que pode muito bem ser circunstancial.
Seria importante que, como centro político de seu governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso definisse de uma vez por todas o eixo de ação do seu governo. Chega de déspotas, esclarecidos ou não.

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