São Paulo, terça-feira, 14 de fevereiro de 1995
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Reitz e Varda frustram festa do centenário

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

O cinema de ontem continua imperando em Berlim-95. Os dois primeiros longas-metragens especialmente preparados para celebrar o centenário do cinema frustraram as expectativas na noite de anteontem.
O diretor alemão Edgar Reitz apresentou em première mundial fora de competição seu "A Noite dos Cineastas", telefilme produzido pelo British Film Institute com diretores como Kieslowski, Scorsese, Frears e Nelson Pereira dos Santos. É uma obra de estilo clássico e elegante, mas de ritmo irregular.
Reitz parte de uma utopia: ficcionaliza a criação neste ano de uma nova cinemateca em Munique, um arquivo ideal para "a memória audiovisual do século 20". Utilizando recursos de edição eletrônica, reúne neste espaço virtual 23 dos principais cineastas alemães para deporem sobre sua visão da arte.
Seus convidados começam pela documentarista do nazismo Leni Riefenstahl, passa pelos próceres do cinema novo alemão como Herzog, Kluge, Wenders e Schlondorff e alcança a nova geração de Peter Sehr e Detlev Buch.
Dois quadros fazem o filme: closes nos cineastas que depõem e plano geral de uma tela de cinema, na qual se sucedem as imagens das obras realizadas ou comentadas pelos diretores.
A primeira entrevista é do articulado Volker Schlondorff, que estabelece um parâmetro de discussão poucas vezes retomado pelo filme. Schlondorff examina a questão dos alemães no cinema e discute a contribuição dos dois primeiros mestres: Fritz Lang, o mais germânico, e Murnau, o mais cosmopolita. (Ernst Lubistch, o mais popular, curiosamente é o grande esquecido de todas as falas).
O desnível dos depoimentos que sucedem vão pouco a pouco minando uma idéia promissora. Muitos dos entrevistados repetem posições conhecidas, como a importância da culpa alemã par Margareth von Trotta ou de Hitler para as reflexões estéticas e históricas de Syberberg.
O filme volta a ganhar interesse quando se confrontam aos discursos de Alexander Kluge e Wim Wenders. Para Kluge, vivemos uma era de "importância das imagens", onde a luz é o principal e o cinema só faz sentido se visto como "um ramo da música".
O oposto, isto é "o poder da imagem", monopoliza a fala de Wenders. Depois das experiências dos filmes de propaganda nazi, sustenta ele, "é necessário superar a desconfiança dos alemães quanto às suas próprias imagens". Nada seria mais fundamental, prossegue, "numa época em que não há expansão na vida na qual a imagem não tenha se infiltrado".
Mas é Werner Herzog quem melhor mira o futuro e amplia o debate. "Quanto mais efeitos especiais tivermos no cinema, mais o público vai se colocar a questão da veracidade das imagens que estão vendo". É esta, concorda Reitz, a primeira grande questão do segundo século do cinema.
Se "A Noite dos Cineastas" não cumpre todo seu potencial, "As Cento e Uma Noites", de Agnès Varda, é simplesmente um fracasso absoluto.
O primeiro filme oficial francês de celebração do centenário recorre ao associacionismo mais infantil para "homenagear" a data. Varda lota seu set de convidados especiais, tendo por mestre de cerimônias um patético Michel Piccoli (presidente da comissão que cuida da efeméride na França) no papel de um quase centenário cineasta.
Para lembrar os Lumière, eis uma dupla de atores com lâmpadas pelo corpo inteiro. É este o nível médio das piadas. Como tênue fio narrativo, Varda escala uma pretensa estudante de cinema para avivar as reminiscências do "monsieur Cinema" e ativar a mais insuportável cascata de lugares-comuns sobre a história do cinema.
Em síntese, são duas horas da cinefilia mais rasteira. Felizmente a França tem outro filme-homenagem no bolso do colete. "Os Filhos de Lumière", de Pierre Philippe, é um documentário de montagem de trechos dos clássicos. Depois do vexame de Varda, é bom lançar logo.

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